Por onde anda a cooperação?

1. Em pouco mais de um mês, um serviço de fiscalização do Instituto da Segurança Social “visitou” por duas vezes uma Instituição de Solidariedade.
Parece que havia um “caso”: a exclusão de um utente e a eventualidade de aceitação (ou recusa) de um donativo...
A Instituição que, em princípio, deveria gozar de alguma autonomia, era convidada a justificar decisões tomadas no exercício das suas competências.
Logo na primeira visita se concluiu que “o caso” nunca deveria ter sido “caso”. E tudo parecia ter ficado cabalmente esclarecido.
Pouco tempo, depois, “o caso”, que não o deveria ser, é mesmo “caso”: o referido serviço de fiscalização voltou a “visitar” a Instituição, fazendo-se acompanhar de uma lista com quarenta exigências para serem satisfeitas no prazo de oito dias.
São documentos para todos os gostos e, sobretudo, para aturada reflexão: balancetes, certificados, comparticipações, comprovativos, cópias, declarações, estatutos, fórmulas, horários, identificações, licenças, listagens, mapas, minutas, números, peças, planos, projectos, quadros, registos, regulamentos, relações...
Este é um caso. Exemplar, mas não único...

2. Estão a multiplicar-se as manifestações de descontentamento em muitas Instituições Particulares de Solidariedade Social:
As comissões de acompanhamento e avaliação dos Acordos de Cooperação, na sua grande maioria, há muitos meses que não são convocadas, excluindo-se, assim, espaços de encontro e de concertação...
Alguns agentes de centros distritais e de outros serviços do Instituto da Segurança Social vêm tratando dirigentes e Instituições de Solidariedade com muita reserva e clara sobranceria, não só desrespeitando a legalidade democrática e violando a autonomia das Instituições, como negando a elas e aos seus dirigentes o respeito que merecem e a solidariedade que lhes devem...
Algumas Instituições de Solidariedade estão inquietas com o que envolverá a legislação da propriedade das farmácias...
Muitas Instituições já encerraram a valência de ATL ou estão em vias de o fazer, até porque um processo gerido com evidente inabilidade por um ministério (da Educação, onde vai imperando a prepotência), as lança para um mero serviço de pontas e pausas lectivas, que recusam, enquanto constatam que o princípio da universalidade de uma medida de prolongamento de horário escolar está a ser palco para uma “balda"completa, permitindo respostas de duvidosa qualidade, com que ninguém se preocupa...
Muitos dirigentes solidários, duvidando das exigências que lhes são feitas e do laxismo com que se pactua, não só em serviços concorrenciais que se estão a implementar como em instituições públicas que as rodeiam, interrogam-se sobre o que estará o Estado a fazer do princípio da subsidiariedade, recusando-se para si próprios o papel de servidores estatais, eles que querem ser construtores e cooperadores numa sociedade que sonham mais justa e inclusiva...
Muitas dúvidas se adensam no horizonte das Instituições sobre o futuro da Cooperação com a propalada “transferência de competências” para as Autarquias cujo conteúdo ameaçará irreversivelmente um regime cooperativo que vinha fazendo o seu caminho e dando os seus frutos...
Muitas Instituições de Solidariedade se interrogam sobre o seu futuro, o futuro dos seus trabalhadores, o futuro dos seus utentes e o futuro das respectivas famílias...
Muitas inquietações se instalaram e provocarão inevitavelmente o desencorajamento do exercício do voluntariado e o exercício da acção solidária como expressão cívica.
Será que tudo isto visa apenas o favorecimento da actividade privada, lucrativa, e o desmantelamento da actividade solidária, não lucrativa?
Andará “por aí” o novo modelo de cooperação? Que é feito do Pacto para a Cooperação?
A cooperação é participação partilhada e colaboração leal, com conjugação solidária de esforços e estabelecimento de parcerias estáveis para um fim comum...

3. As Instituições Particulares de Solidariedade Social são expressão do Voluntariado em Portugal.
Constituem um marco histórico da vontade da sociedade civil em se organizar com respostas às reais necessidades. Constituíram-se por pessoas atentas e solícitas, que no exercício da cidadania, com expressão solidária ou por espírito de caridade, irmanadas na sorte dos irmãos ou concidadãos, se dão mutuamente as mãos para marcar a construção de um presente e um devir mais pleno e mais feliz.
São organizações que resultam de sinergias e de entregas voluntárias a sensibilidades, a capacidades de intuir necessidades e projectar respostas, a sonhos, a propósitos e a ideias, com dádivas de tempos de vida e de práticas de virtude, desenvolvidas ao longo de décadas, com postura perante a vida e perante os problemas e os dramas sociais, solidificando-se e adaptando-se às realidades, às necessidades e às vicissitudes de cada época.
Estas Instituições de Solidariedade estão muito preocupadas e nelas cresce a sua justificada indignação...
Ainda sobrará espaço para o diálogo e para a esperança?
Tudo tem o seu tempo: o tempo das IPSS é o da inadiável e inultrapassável exigência de clarificação...

* Presidente da CNIS

 

Data de introdução: 2007-11-06



















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