JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

As eleições alemãs e as reformas na Europa

Trago comigo uma espécie de sina que consiste em estar quase sempre do lado das minorias. Contrariamente ao que parece ser a opinião genérica dos euro-entusiastas, eu acredito que os resultados das eleições alemãs não são necessariamente negativos para a Europa.

Provavelmente os grandes desígnios de Emmanuel Macron para a reforma da zona euro (orçamento comum, tesouro comum, ministro das finanças, ministro da economia) ficarão para já na categoria de que dizem estar o inferno cheio: o das boas intenções.

Não por acaso, no discurso na Sorbonne, um par de dias depois eleições alemãs, Macron deixou no tinteiro tudo quanto era proposta de reforma concreta para a zona euro. Falou (e muito) sobre os grandes desígnios estratégicos da União Europeia que, aliás, eu subscreveria de bom grado.

Em boa verdade, a primeira versão de Macron sobre a reforma da zona euro teria sempre perna curta e, ainda que viável, seria um mau negócio na perspetiva da França e dos países do Sul.

Desde logo temos um problema de dimensão.

O orçamento de estado ou um orçamento da zona euro, para ter um poder estabilizador da economia em tempos difíceis, deve ter, tipicamente, a dimensão de 40 a 50% do PIB.

Parece evidente que, mesmo uma maior complacência da Sra. Merkel, agora mais elusiva com a vitória curta que conseguiu nas legislativas alemãs, não dará ao futuro orçamento comum da zona euro uma perna comprida. Não acredito sequer em algo próximo de 5%.

Está bom de ver que com 5% do PIB em orçamento comum, como instrumento de estabilização, não iremos muito longe. O fardo continuará a cair sobre os orçamentos nacionais e, se estes continuarem sujeitos à ortodoxia alemã, na próxima crise estaremos essencialmente na mesma.

Mas a existência de um tesouro comum pode ser uma porta aberta para a emissão de dívida. Talvez! Contudo, se continuarmos a pensar em dívida solidária, com a Alemanha a responder pelos “desgovernados” do sul, podemos esperar sentados - esse Rubicão os germânicos não vão atravessar, nunca!

Um segundo problema é o que a Alemanha pediria em contrapartida para a sua eventual complacência. Parece óbvio que exigiria ainda maior rigidez nas normas orçamentais – já que vai pôr no coletivo uma parte dos seus impostos, é natural que exija que todos e cada um se “portem bem” em matéria orçamental.

Ora isto é um erro! Do que precisamos é exatamente do contrário, é de flexibilidade orçamental para que os orçamentos nacionais possam funcionar minimamente como instrumentos de estabilização nas fases baixas do ciclo.

Entregar os pontos de uma ainda maior rigidez orçamental em nome de um orçamento comum de 5% do PIB (que não terá poder estabilizador significativo) é um mau negócio para a França e para a Europa.

Finalmente o maior problema está onde costuma estar – na política.

Respirámos de alívio com a derrota dos populistas na Holanda e a vitória de Macron em França. Contudo, o risco dos populismos e dos nacionalismos está longe de estar dominado. Em Itália, o movimento cinco estrelas continua empatado nas sondagens com o Partido Democrático. Não é impossível que o próximo governo de Itália, a terceira economia da zona euro, seja não apenas eurocético, mas de oposição pura e dura ao projeto europeu.

Por outro lado, é muito duvidoso que os projetos de aprofundamento da integração europeia sejam bem-vindos pela maioria dos cidadãos europeus – estamos todos um bocado cansados desta história!

O que nos leva para aquilo que, na minha visão, seria um melhor caminho, aliás um duplo caminho e que, porventura, os resultados das eleições alemãs podem ajudar a percorrer.

Em primeiro lugar recomendaria o regresso à lógica dos pequenos passos, que não exijam alterações institucionais, mas que reforcem e consolidem o que já temos.

Alguns exemplos: completar a união bancária (com seguro comum de depósitos), completar o mecanismo de resolução bancária, integrar (eventualmente num orçamento comum) algumas funções sociais onde isso for possível (o subsídio de desemprego é um candidato óbvio), dar maior flexibilidade aos orçamentos nacionais como instrumentos de estabilização em períodos de crise (ainda que sob vigilância europeia), etc.

Depois há que abrir espaço à iniciativa dos estados. Por exemplo, mesmo que a emissão de eurobonds seja inviável, nada impede que um grupo de países se coloque de acordo nessa matéria e promova emissão coletiva de dívida.

Também nada impede que um grupo de países queira prosseguir projetos comuns na área da segurança e da defesa que outros países membros não queiram ou não possam partilhar.

Mecanismos voluntários de cooperação reforçada deveriam ser estimulados.

Creio que tudo isto está longe de ser impossível no quadro político que se antevê para a Alemanha no médio prazo.

Não quer isto dizer que a zona euro ficará tal qual está sem qualquer esforço de reforma. Mesmo a ortodoxia alemã não ignora que a zona euro, tal como existe hoje, pode não resistir à próxima crise. Aliás, contrariamente a outras geografias mais propensas ao discurso emocional, na Alemanha estas coisas são objeto de debate racional e sério que envolve a academia, a sociedade civil, o espaço mediático e a política.

E não se duvide que as reformas da zona euro que chegarem a ver a luz do dia, serão a gosto da Alemanha, leia-se, nada de “grand bargain”, nada de grandes alterações institucionais e, acima de tudo, nada de solidariedade na dívida ou nas despesas. Contas à moda do Porto continuará sendo a regra!

Provavelmente a Sra. Merkel haverá de propor dotar o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM) de outra dimensão e de outra capacidade para intervir nos países do euro que, eventualmente, venham a ter necessidade de assistência.

Mas a intervenção do ESM será muito à moda do atual Fundo Monetário Internacional, isto é, de uma entidade que empesta dinheiro e tem como principal preocupação recuperá-lo e com juros.

Não me admitiria que o ESM viesse a ter uma capacidade de intrusão na governação dos países membros ao ponto de, em certas circunstâncias, poder avocar a gestão das finanças dos países em dificuldade, isto é, decidir o que se gasta e em quê.

Admito que o Sr. Macron, quando vir as propostas alemãs de reforma da zona euro, se vire para outro lado, isto é, para aquilo que pode ser feito, talvez com menos espetáculo mas com mais eficácia.

E, se bem vejo, isto não é mau para a Europa.

 

Data de introdução: 2017-11-09



















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