AVÓ E NETO PARTILHAM GOSTO E EMPENHO NA CAUSA SOCIAL

O toque de Mida(s)

“Mida, quando tu morreres eu é que gostava de seguir com a Cáritas”. É uma avó orgulhosa a que recorda ao SOLIDARIEDADE a frase do seu neto, quando este tinha “uns quatro anitos”, explicando que ele a “acompanhou desde pequenino” e que “com dois, três aninhos já era o meu guarda-costas”.
Bem, mas apresentemos as pessoas de quem falamos. «Mida», a avó, é o diminutivo de Cremilde Vermelho, de 75 anos, 30 dedicados à solidariedade social, nos mais variados papéis e funções; o neto é Tiago Abalroado, hoje com 25 anos, e, entre outros cargos e funções, presidente da União Distrital das IPSS de Évora. Aliás, é de longe o elemento mais novo do Conselho Geral da CNIS, órgão consultivo da Direção que reúne os presidentes das UDIPSS e Federações da CNIS, onde todos os membros têm idade para ser seus pais e até mesmo avós.
Mida, como Cremilde Vermelho é chamada em família e no círculo de amigos e conhecida na sua terra Natal, Vila Viçosa, e Tiago, ou seja, avó e neto têm, para além do sangue, um longo historial na solidariedade social a uni-los.
Acompanhando a avó nos seus périplos de ação social, dos mais institucionais aos mais informais, desde muito pequeno, Tiago Abalroado desenvolveu uma especial apetência por esta área e os resultados estão à vista. Entretanto, fundou e dirige a UNITATE, uma IPSS dos tempos modernos, preside à UDIPSS Évora e é secretário-geral da Cáritas Paroquial de Vila Viçosa, instituição fundada pela avó Mida no ido ano de 1989, um ano antes do seu nascimento.
Desses tempos, Cremilde Vermelho recorda o impulso que sentiu em ajudar os que mais precisavam, depois de uma experiência que a deixou algo insatisfeita na Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa, onde se iniciou no mundo da solidariedade social.
“Achei interessante o convite que me fizeram para ir para a Misericórdia, uma coisa totalmente diferente da vida a que estava habituada, que era o mundo empresarial dos mármores. Achei que aquilo era pouco. Pensava que a Misericórdia fazia bem a toda a gente, mas não, a Misericórdia é uma empresa que vende serviços. Desiludiu-me um bocado e por isso decidi criar a Cáritas”, recorda, lembrando como importante foi o apoio da Cáritas de Évora para a formalização da instituição em Vila Viçosa.
“O principal problema foi as pessoas acreditarem. Na altura, a nível estatal não havia nada, era eu que me dirigia às pessoas. Passaram por me bater à porta a pedirem-me socorro! A partir daí, comecei a contactar outras pessoas, porque para ajudar precisava de ajuda, porque era já a parte económica a avançar. Trabalhava com os meus conhecimentos, convidava pessoas ligadas aos mármores para tomar um café e, para além de lhes contar as situações, levava-os aos locais. As pessoas ficavam apavoradas ao ver as situações, porque se desconhecia muito na altura… Esta foi uma das minhas táticas, convidar industriais do mármore, que também eram crentes, para verem a realidade do que se passava”, lembra Cremilde Vermelho, que sentiu logo aí que jamais conseguiria deixar este universo: “Fiquei presa a este trabalho, é daquelas coisas em que o nosso coração fica agarrado e eu não conseguia viver outra coisa, porque havia sempre um novo problema para resolver”.
Foram muitas as IPSS que nasceram nos finais dos anos 80 início dos anos 90 do século passado, à semelhança da Cáritas Paroquial de Vila Viçosa. As necessidades eram muitas, a conjuntura permitia-o e a boa vontade da sociedade civil era crescente.
Hoje, este boom talvez fosse impossível de acontecer, mas foi o voluntarismo de muitas pessoas como Cremilde Vermelho que construíram a rede de IPSS que hoje existe e que atenua bastante as dificuldades das pessoas.
Hoje, perante as dificuldades que se vivem é voz corrente que o simples voluntarismo não chega para manter vivo este espírito solidário e esta rede de solidariedade, o olhar renovado do licenciado em Gestão, pela Universidade Católica de Lisboa, permite-lhe constatar isso mesmo, sem deixar, porém, de reconhecer e elogiar o que foi feito.
“Olho para as obras, para a Cáritas de Vila Viçosa e suas congéneres, e valorizo muito o que foi feito, quer pela Igreja quer pelas outras estruturas que se formaram e que deram resposta a necessidades que existiam. Como do nada se fez muita coisa. E parece-me que nesse aspeto todas as instituições são uma referência. Isto hoje seria possível? Se calhar, não seria. E valorizo as instituições e as pessoas, as Midas deste País, que estiveram nas diferentes instituições do País. Agora, chegou-se a um ponto em que se vê que se construíram casas com tijolos e pouco cimento e foram-se criando estruturas que na base deixaram algumas falhas, que identifico como falhas de gestão e a todos os níveis. As instituições foram construídas na base da boa vontade, mas quando já temos um conjunto de pessoas a trabalhar temos uma organização, uma empresa. Temos organizações para servir pessoas, mas que para funcionarem têm que se estruturar. Se a estrutura não está devidamente cimentada, corremos o risco de a estrutura ruir ou de não prestar um serviço efetivo à satisfação das necessidades das pessoas”, defende Tiago Abalroado, concretizando: “Parece-me que é o acontece na generalidade dos casos, pois não temos gestores, nem era suposto termos naquela fase das instituições, mas agora, face à dimensão, ao volume financeiro e à quantidade de respostas, chegámos ao ponto em que é necessário encher as paredes com o cimento que ainda falta para se poder crescer ainda mais”.
Sendo durante muitos anos presença assídua e diária na Cáritas de Vila Viçosa, Tiago Abalroado, no final da licenciatura, realizou um estágio, entre fevereiro e dezembro de 2012, com a incumbência de sanear financeiramente a instituição. Conseguiu-o e, findo o estágio, a dívida de 55 mil euros estava solucionada e a instituição respirava livremente.
“Isto passa pela gestão, pela tomada de consciência generalizada de que temos que gerir as instituições como empresas para podermos dar prossecução à nossa missão que é social. Mas somos organizações sociais e, nesse sentido, temos recursos escassos para gerir e temos que nas práticas e nos processos ter tudo perfeitamente definido, senão perdemos qualidade e geram-se situações de más práticas. A este nível, acho que todas as instituições têm que dar passos largos para cimentar as suas casas e avançar para outros patamares e cimentar é a sustentabilidade”.
Em sentido contrário, Cremilde Vermelho recorda como eram as coisas quando criou a instituição em Vila Viçosa: “Durante anos a Cáritas esteve a funcionar sem qualquer apoio estatal e fruto de muita boa vontade. A renda da primeira casa que alugámos para a Cáritas era paga por mim e mais três pessoas que me acompanhavam. As coisas foram caminhando com muita boa vontade”.
Olhando a este contexto percebe-se por que é que Tiago, o neto, afirma que foi a “coragem” aquilo que herdou de Cremilde Vermelho, a avó, nesta coisa da causa social.
“A minha avó é uma inspiração do ponto de vista da coragem, porque ela do nada fez aquilo que hoje existe e que é a Cáritas de Vila Viçosa. Só com muita coragem e muita falta de vergonha, para chegar aos gabinetes dos ministros e dos diretoras da Luta Contra a Pobreza e todos os corredores que percorreu para conseguir o que conseguiu. O que mais herdei da minha avó foi este querer fazer e, obviamente dentro dos limites, nada se põe à frente. Todas estas resistências que acontecem, e que eu já experimentei também neste curto período de tempo, aparecem de todo o lado e temos que saber, também com alguma diplomacia, contornar as questões. E como o objetivo é pelo bem das pessoas, é isso que não podemos perder de vista. Quem vai pela verdade, com coragem e determinação daquilo que pretende, que é ajudar as pessoas, pode seguir o seu caminho e superar todos os obstáculos”, sustenta o neto Tiago.
Já o orgulho que a avó Mida tem no neto é incomensurável e visível em cada palavra que lhe dirige.
“Ele conseguiu demonstrar toda a sua capacidade e competência, ganhando o respeito como profissional e não como neto da presidente. E foram os outros elementos da Direção que o convidaram a continuar na Cáritas findo o estágio, porque eu disse logo que não o fazia”, sublinha Cremilde Vermelho, que reforça nunca ter querido impor o neto à instituição.
“Entrei para a Cáritas em Fevereiro 2012, no pico da crise, em que tínhamos uma instituição com dificuldades financeiras enormíssimas e com uma dívida que rondava os 55 mil euros. Um cenário muito complicado em consequência da crise. E tomei a liberdade de, com o pouco que sabia e muita boa vontade, tentar resolver a situação. Iniciei desde logo, em conjunto com a Direção, uma negociação geral com todos os fornecedores para baixar preços. Negociámos os contratos de todas as áreas, desde a alimentação às telecomunicações, e ao mesmo tempo a prioridade era parar a dívida. Não podia haver mais dívida! Tive a felicidade de todos os elementos da Direção confiarem em mim, um rapaz com 21 anos acabado de se licenciar, mas o certo é que confiaram e em maio tínhamos já uma dívida muito residual e em agosto estava tudo pago e já dava lucro. Terminámos o ano de 2012 com cerca de 30 mil euros de lucro. Entre fevereiro e dezembro de 2012 conseguimos dar a volta e recuperar a instituição para uma situação muito boa. E isso só foi possível graças ao empenho de todos, de todas as funcionárias que acreditaram, porque era um gaiato que ali estava a entrar na instituição”, conta Tiago.
A verdade é que, depois do bom trabalho realizado durante o estágio em 2012, ficou como secretário-geral da instituição, responsável pela gestão da mesma. “No final do estágio, disseram-me que a Cáritas já não passava sem mim”, recorda.
Sobre tudo isto, a avó Mida diz-se “muito orgulhosa”, mas também “com muito medo, porque ele está no início de vida e ele pode vir a ter uma desilusão, não pelo trabalho dele, porque ele dá-se todo e foi assim desde pequenino”, refere, recordando, uma vez mais, a frase dita aos quatro anos: “Quando tu morreres eu gostava de seguir com a Cáritas”.
Este acompanhamento das ações sociais da avó desde muito tenra idade não são alheios a esta ligação de Tiago Abalroado ao Setor Social Solidário.
“A Cáritas é como se fosse a segunda casa. Lembro-me de, pequenino, os meus pais se zangarem comigo por eu sair da escola diretamente para a Cáritas e nem sequer os avisar”, conta, ao que a avó acrescenta: “Ele acompanhava-me, percebia, sabia do meu sofrimento, porque, muitas vezes, abandonei o meu compromisso de esposa e de mãe, pois pensava que eles estavam todos bem, tinham casa e não lhes faltava nada e eu tinha que me virar para os outros que tinham problemas muitos graves”.
Apesar dos 50 anos de diferença, são já muitas as pegadas da avó que Tiago segue, sendo talvez a mais visível a da liderança da UDIPSS Évora.
Aliás, a este propósito, Tiago Abalroado recorda o seu primeiro contacto com a CNIS, por volta dos 16 anos.
“A minha avó fez parte do Conselho Fiscal da CNIS e eu fui com ela e com o meu avô a Fátima a umas reuniões. Lá chegados, ela disse-me que eu não podia entrar e, então, fui com o meu avô ao Santuário e passear e o tempo passou. No dia seguinte houve uma reunião do Conselho Geral e eu estava com o meu avô no átrio do Hotel Cinquentenário, quando aparece o professor Eugénio Fonseca, na altura presidente-adjunto da CNIS e que me conhece desde pequenino, e me chama para o interior da sala onde estava a decorrer a reunião. Resumindo, com 16 anos assisti a meu primeiro Conselho Geral da CNIS e achei tudo aquilo muito interessante”.
Bem se pode dizer que foi uma espécie de estágio para os dias de hoje em que é membro de pleno direito desse mesmo Conselho Geral.
No seu vasto currículo no âmbito social, Cremilde Vermelho, para além de fundadora e presidente, durante mais de duas décadas, da Cáritas Paroquial de Vila Viçosa, integrou ainda os órgãos sociais da CNIS em três mandatos, e presidiu à UDIPSS Évora. Depois de deixar a presidência da instituição que fundou em maio de 2013, manteve-se ligada à Cáritas, através do projeto da Universidade Sénior, que criou com o marido, tendo deixado, em definitivo, a instituição no final de outubro do corrente ano.
“Tenho muito orgulho no que a Cáritas é hoje”, afirma, recordando que foi a partir do Projeto de Luta Contra a Pobreza, em 1995, que a instituição “cresceu à dimensão que tem hoje”. Outra nota de destaque no seu currículo é a criação do primeiro Centro de Noite do País: “Uma das coisas que me preocupava muito eram os idosos e S. Romão era uma aldeia de idosos, com imensos problemas de solidão e de pessoas que viviam só, cheias de sofrimento, e veio-me à ideia criar um Centro de Noite. Ainda não havia nenhum e nem a Segurança Social sabia como comparticipar”.
Paralelamente ao caminho que prossegue na solidariedade social, Tiago Abalroado encontra-se, de momento, a fazer um doutoramento em Gestão Estratégica, cujo tema é Gestão Estratégica nas Instituições Sociais da Igreja em Portugal. O jovem demonstra, assim, também na questão académica o empenho na causa social, que conhece e pratica desde tenra idade, levado pela mão de uma avó que, como reconheceu, chegou a privar a família da sua presença para poder ajudar quem mais precisava. No fundo, a vida de tantos voluntários e pessoas de boa vontade que por todo o País se dedicam de corpo e alma à causa dos mais desfavorecidos.
É o chamado toque de Mida(s)!

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2015-11-05



















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