LINO MAIA, CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA CNIS

Eu aceito continuar se for essa a vontade das IPSS

Aos 71 anos, após quatro mandatos consecutivos na liderança da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, o padre Lino Maia manifestou a disponibilidade para continuar. Com a mesma humildade de sempre diz que nunca foi candidato, na medida em que nunca foi objetivo seu ser presidente da maior organização da Economia Social em Portugal. Apenas aceita continuar a prestar um serviço aos mais desfavorecidos, razão primordial para a primeira candidatura há 12 anos e motivo para liderar, mais uma vez, a lista institucional da direção da CNIS nas próximas eleições, em janeiro de 2019.

O programa eleitoral é simples: não interromper o caminho que a CNIS traçou para defender os que mais precisam; evitar a fragmentação da organização; procurar soluções para o ataque sistemático ao setor social solidário; convencer o Estado de que tem que reforçar o apoio que presta às IPSS através dos acordos de cooperação; preparar o futuro.

 

JORNAL SOLIDARIEDADE - A direção da CNIS apresenta uma lista institucional às eleições marcadas para janeiro. Ao cabo de 12 anos o padre Lino decide recandidatar-se a mais um mandato...

PADRE LINO MAIA - Eu não sei se a CNIS precisa de mim. Sei que o país precisa da CNIS. Desta direção, da estrutura e dos serviços da CNIS. Disso não tenho a menor dúvida. Não digo que a CNIS tem um bom presidente, mas tem uma excelente direção, de gente competente, disponível, que abraçou este projeto com entusiasmo e dedicação. Para além disso, ao serviço da CNIS, do país, das instituições, deste setor social solidário, há um grupo de assessores que é do melhor que existe. Há uma estrutura montada que é de facto muito boa, gente discreta, mas eficaz, competente, dedicada e que está de alma e coração ao serviço do setor, das pessoas, do país. É importante que isto não entre em turbulência, que continue. Eu olho para o momento atual, e concretamente para um estudo que vai ser apresentado em breve, num palco muito importante, que mostra que o Estado não está a corresponder como deveria a este setor. Os utentes das instituições são os mais carenciados e são os que menos contribuem, por impossibilidade e talvez algum laxismo de algumas famílias. A contribuição tem diminuído e é preciso enfrentar esta situação com coragem e determinação. O setor é um pilar fundamental do estado social e ameaça rutura, ameaça ruína. Julgo que neste momento com os dirigentes que tem, os assessores que tem, a estrutura que tem, a CNIS está em condições de enfrentar estes desafios e dificuldades e fazer com que este setor, que é único num contexto europeu, continue a privilegiar os que mais precisam com respostas bem solidificadas, bem estruturadas e apoiadas.

 

Deve ter sido uma decisão difícil. A sua primeira intenção era de não continuar...

Eu vou sempre dizendo que não sou candidato. O candidato é alguém que quer. Eu aceito continuar se for essa a vontade das instituições. Aceito numa atitude de serviço. É o segundo momento mais difícil deste percurso. O primeiro foi aquele em que entrei na liderança da Confederação, pelas circunstâncias específicas conhecidas. Já então dizia que não era candidato, mas aceitava o desafio e agora, fica mal dizer, mas tendo estado ao serviço deste grande movimento, penso que seria a hora de me retirar. Pelas razões que apontei e depois porque talvez seja este o momento de preparar futuros lideres deste movimento, criando condições para que eles surjam sem turbulências. É também uma obrigação de um líder. Neste mandato, caso seja eleito, é importante que se preparem as condições para o surgimento de pessoas que possam vir a assumir a liderança no futuro. Que vão conhecendo este setor, tomando o pulso à CNIS, para que não haja turbulências.

 

No passado teve uma oposição eleitoral aguerrida. As coisas mudaram. Ficaria surpreendido que surgisse mais alguma lista nestas eleições?

Poderá surgir e é sempre bom que haja alternativas para se escolher o melhor. Aqui não há vencedores nem vencidos. Há um serviço a prestar. Neste momento há ainda outra razão que me leva a ponderar a disponibilidade para a continuidade. Em alguns espaços deste país parece haver apetência por algum entrincheiramento de grupos fechando-se a este grande universo de instituições que são tão plurais. Temos instituições da Igreja, laicas, com lideres de diferentes setores ideológicos, mas há uma grande comunhão de objetivos. Essa é a grande força da CNIS. Eu sublinho sempre que a CNIS não é uma organização da Igreja Católica, mas há muitas IPSS católicas na CNIS, como há de outras religiões e muitas outras sem qualquer opção religiosa, mas há a comunhão do serviço ao país e particularmente o serviço àqueles que mais precisam. O Papa Francisco tem uma expressão, agora muito em voga, que diz que as pessoas da Igreja devem estar nas periferias, devem estar no mundo. A CNIS, com as instituições da Igreja, tem sabido estar no mundo. Com todos, sem proselitismo, sem partidarismos, levando todos ao serviço dos que mais precisam. Essa é a nossa grande força.

 

É sua opinião que qualquer cisão provocará fragilidade de todos...

Sobretudo dos utentes, dos que mais precisam. Ficarão mais fragilizados. Quando houver entrincheiramento, com muitos candidatos a postos de liderança, quando as pessoas pensarem mais no reinar do que no servir, acaba-se por abandonar aqueles que mais precisam. Isso assusta-me. Verifico que aqui ou acolá parece haver mais apetência pelo trono do que pelo serviço. Temos que contrariar essa tentação.

 

Sente que a diversidade que compõe a CNIS revê-se na sua candidatura?

A minha postura tem sido a de respeitar toda a gente. Partidos, ideologias, religiões, formas de estar na sociedade...respeito por todos, convicto de que ninguém tem a verdade absoluta nem toda a competência. Parece-me que com esta postura tenho merecido e usufruído do respeito generalizado. Não sei se o mereço, mas sinto-o. Com franqueza, sinto-me sempre muito limitado. O que me vale são as pessoas que me rodeiam, como já disse. Os desafios são enormes, as dificuldades são muito grandes. Muitas vezes fico com a sensação que não se começou sequer a empreender caminho.

 

É já um caminho de 12 anos de liderança... Também sente conforto e consolo pelo exercício da presidência da CNIS?

É uma missão gratificante. Nunca tive a apetência pelo trono. Eu gosto de servir, mas não sou indiferente a saborear um prazer, gosto de usufruir desta sensação do prazer do serviço. O meu maior consolo é que em todos estes anos conseguiu-se, não por meu mérito, equipas que começaram e concluíram os mandatos. Verifico que em todas estas equipas noto sempre uma disponibilidade para continuar, assim em comunhão e nunca em confronto. É o meu maior consolo.

 

Se vier a ser eleito, e cumprir o mandato, vai passar a ser o presidente com mais anos de CNIS...

Isso não é uma glória... Para mim o grande rosto de todo este movimento é o padre José Maia. Não foi com ele que tudo isto começou mas ele, com a sua maneira de ser, de estar, a sua determinação deu uma grande expressão a este movimento.

 

Nos últimos tempos foi criada uma nova organização de organizações sociais: a Confederação Portuguesa de Economia Social. Optou por não ficar na direção da CPES. Porquê?

Não vou iludir a questão. Era compreensível de que houvesse alguma expectativa de que a CNIS pudesse liderar a CPES. A CNIS é um universo muito amplo em que há cooperativas, em que há fundações, associações de desenvolvimento, instituições da Igreja Católica e de outras religiões. É a maior em termos de volume de atividade, trabalhadores e intervenção económica. Pessoalmente, nunca encarei com entusiasmo a possibilidade de liderar a Confederação. Ninguém pode amar a dois senhores ao mesmo tempo. Não seria capaz. Eu vejo-me disponível para continuar na CNIS, mas mesmo só na CNIS, sublinho.

 

Mas parece algo desiludido com a CPES...

Não direi desilusão. Penso que a presença de um membro da CNIS na CPES permite fazer o nosso papel e impede que haja diluimento da CNIS no universo da Confederação Portuguesa de Economia Social. O risco existe, mas vai ser contrariado. Tenho receio que haja uma excessiva tentação de liderança e é importante refrear isso. A CNIS não pode nem vai diluir-se na CPES.

 

O facto do presidente da CNIS não estar na direção da CPES é um sinal?

É. O maior sinal é, comigo, nunca, jamais, em tempo algum a CNIS se desviará do seu rumo. À CPES falta-lhe o altruísmo e a solidariedade que são as marcas de água da CNIS.

 

Tem dito que existe um risco de colapso, uma possibilidade de rutura no setor. Fala concretamente de quê?

No estudo sobre "A Importância Económica das IPSS", os números são evidentes. Há cerca de 30 por cento de estruturas de custos das IPSS a descoberto. O Estado, contrariando as expectativas criadas na celebração do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, transfere para as instituições, em média 40 por cento. Os utentes comparticipam em cerca de 31 por cento. Faltam 29 por cento. De onde vêm? Nós dizemos que é a grande envolvência das comunidades, a filantropia... tudo isso é verdade, mas não é tão expressivo quanto seria necessário e é muito flutuante. O estudo que nos comprova cientificamente algo que nós suspeitávamos, diz que cerca de 18 por cento das IPSS têm o EBITDA negativo e quase 40 por cento estão abaixo da linha vermelha. Isto é complicado. Somos um pilar inestimável do Estado Social. Se este setor ruir o que vai ser do país? O que vai ser do apoio a idosos, crianças, pessoas com deficiência? O Estado tem mesmo que investir mais neste setor. Nos Açores houve uma atualização de 4,2 por cento, no próximo ano perspetiva-se uma atualização ainda maior nos acordos de cooperação. Eu pergunto: porque não também na Madeira e no Continente? Tem que haver uma opção social clara neste país e tem que se investir em quem presta serviço para cuidar melhor de quem precisa. Investiu-se muito e bem na qualidade, mas estamos a ser vítimas de um excessivo zelotismo por parte da fiscalização com exigências insuportáveis. Não há sensatez, as equipas fiscalizadoras dão mais importância a questões materiais do que à satisfação dos utentes. Isto desmobiliza os dirigentes. Há casos caricatos. O Estado transferiu para uma instituição um equipamento de serviço a pessoas com deficiência e a partir desse momento são contínuas as inspeções. De uma vez entraram 13 pessoas pela IPSS dentro, devassando tudo, sem qualquer preocupação. Isto é desmotivante. Eu defendo acompanhamento e escrutínio mas está a haver só mais fiscalização e inspeção nas IPSS.

 

Julga que é sistemático ou episódico?

Parece haver quem esteja interessado na descredibilização das instituições e dirigentes. Há coisas caricatas. Aqui há dias num jornal vinha o caso de uma IPSS em Gaia que mal está identificada. Se formos a ver é uma daquelas IPSS que se constituem à revelia do espírito do setor social para se aproveitar de incautos. Não são instituições com portas abertas com serviço a utentes. São oportunistas. Devem ser punidos. Mas parece que o interesse é generalizar a todo o setor social solidário. Eu julgo que a fiscalização das IPSS deveria estar numa entidade independente. Quem inspeciona não está a ser parceiro...

 

Fala do Instituto de Segurança Social...

Não está a ser parceiro. Creio que o ISS quer verdadeiramente o serviço dos mais carenciados. Não pode então atuar como parece estar a fazer.

 

A relação com o Estado, por essa via, tem-se deteriorado?

Com alguns serviços do Estado sim. Em termos de diálogo, sensibilidade nos lideres há um diálogo perfeito. Os serviços do Estado, às vezes, são ciosos do seu poder e fogem ao controlo de quem está acima. Eu vou dizendo que as inspeções não podem ser um estado dentro do Estado. Tem que haver escrutínio das inspeções. Não podem estar a reinar como se tivessem vontade própria. Este é um dos grandes problemas com que nos confrontámos neste momento.

 

Qual é a sua opinião sobre o Orçamento de Estado 2019?

Naquilo que diz respeito ao setor não acrescenta nem retira nada. O que interessava a este setor já está acautelado por uma lei, designadamente as devoluções de 50 por cento do IVA, IRS... Ainda não estudei detalhadamente o documento. Foi aprovado na generalidade e quero que seja discutido tranquilamente na especialidade e aprovado. Mas para mim, a partir de janeiro, caso seja eleito, obviamente, eu quero que todos os partidos inscrevam nos seus programas eleitorais as propostas para este setor social. Gostaria que escrevessem o que pensam sobre o setor social, a sua importância e a necessidade da sustentabilidade que é a maior das nossas preocupações. Por isso, mais do que mais respostas sociais, equipamentos, valências, eu queria que todos os partidos inscrevessem nos seus programas eleitorais um olhar sobre este setor e a sustentabilidade. Se ele colapsa, e não está livre disso, é o país que colapsa. Toda a gente diz que durante a crise foi o setor social que aguentou o país. E agora? Temos que reparar que são mais de 200 mil trabalhadores, mais de 700 mil utentes, diariamente apoiados, com as famílias, com os dirigentes, enfim, não haverá uma única pessoa que não saiba do que estamos a falar. Muita coisa depende de nós. Temos que pensar na sustentabilidade do setor para que continuemos a prestar os serviços aos que mais necessitam. É isso que está em causa. Os números que apresentei, segundo o maior estudo do género, obrigam-nos a agir. Repito: a partir de janeiro, do próximo ano, é um ano de eleições regionais, europeias, legislativas, vamos insistir com todos os partidos para que inscrevam nos programas um olhar sobre este setor.

 

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse há tempos que a CNIS não quer a regulamentação dos cuidadores informais. Isso é verdade?

Houve um equívoco. Ouvi dizer que o Presidente da República, que tem um respeito enorme por este setor social solidário, terá passado, num discurso, a ideia de que a CNIS estaria contra os cuidadores informais. De maneira nenhuma. Eles são importantes. Vejo as associações que estão a surgir mais como empresas sociais, prestadoras de serviços para apoiar os cuidadores informais. Agora, penso também que seria abrir uma caixa de Pandora admitir que o Estado irá pagar todo o cuidado informal. Julgo que o Estado não está em condições de apoiar financeiramente todos os cuidadores informais até porque é difícil, senão impossível, definir quem é o verdadeiro cuidador, por quando tempo e onde está. Pensamos, na CNIS, que é importante regulamentar e definir o estatuto porque têm um papel muito importante. Todos nós temos exemplos, nas nossas famílias, da sua utilidade. Devem ser devidamente apoiados. Não somos contra. Bem pelo contrário.

 

Texto e fotos: V.M. Pinto

 

Data de introdução: 2018-11-09



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...