A organização não governamental (ONG) nasceu em 1980, na sequência da operação “Um barco pelo Vietname”, que levou assistência médica a um grupo de 2564 refugiados vietnamitas que se encontravam à deriva no mar da China, sem que nenhum país aceitasse acolhê-los. Bernard Kouchner, um dos fundadores dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), defendia a ideia de fretar um navio que levaria a bordo médicos e jornalistas para ajudar e testemunhar as violações dos direitos humanos face à situação dos vietnamitas. Enfrentando a oposição de alguns, que consideravam a operação demasiado mediática, Kouchner avançou com a missão, a qual é depois prolongada com a acção desenvolvida a partir do “Ilha de Luz”, um navio transformado em hospital que permite, até ao fim dos anos 80, salvar milhares de refugiados. Na sequência desta divergência de opinião, Kouchner e outros fundadores de MSF abandonam aquela associação, para fundar em Paris, no dia 1 de Fevereiro de 1980, uma nova organização de ajuda humanitária com vocação internacional - Médicos do Mundo.
Os objectivos iniciais eram três e mantêm-se ainda hoje como lema de actuação da associação: ir onde os outros não vão, testemunhar o intolerável, trabalhar voluntariamente. A ONG está atenta a cenários de guerra, catástrofes naturais, conflitos étnicos e às epidemias e actua com carácter de emergência nestes cenários. Ao mesmo tempo, desenvolve projectos na área da exclusão social, da pobreza, da toxicodependência e da prostituição e várias iniciativas de sensibilização. A organização foi crescendo e formou uma rede de trabalho presente em 12 países do mundo com delegações autónomas coordenadas pelo Secretariado Internacional dos Médicos do Mundo, embora desenvolva projectos em cerca de 90 países.
Presente em Portugal desde 1999, as actividades desenvolvidas pelos Médicos do Mundo são asseguradas por uma equipa operativa, que é apoiada pela direcção da associação e por um conjunto de mais de 200 voluntários activos em Lisboa, no Porto e mais recentemente em Évora. Foi a única organização não-governamental portuguesa a estar presente no Afeganistão, embora a delegação portuguesa esteja mais direccionada para o desenvolvimento de projectos em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor.
No Porto, a organização tem no terreno desde 2002 o programa “Porto Escondido”, um programa que abrange vários projectos destinados essencialmente à população sem-abrigo, prostitutas, toxicodependentes, imigrantes e idosos em situação de exclusão social.
“Há pessoas que estão na rua há 10 e 20 anos”, diz Fátima Rocha, coordenadora da delegação do Porto, sediada em S. Mamede de Infesta (Matosinhos). É ali, numa das salas do número 6150 da Avenida do Conde que se organizam os preparativos de qualquer saída para o terreno. O projecto Risco do Ser, faz circular pelas ruas da cidade uma equipa pronta a ajudar quem quiser ser ajudado. Na mala do carro (para breve esperam ter em funcionamento uma unidade móvel, com mais condições) vão caixas com material para cuidados de saúde, produtos de higiene, panfletos informativos e preservativos, entre outros artigos. Os percursos estão definidos à partida. O Porto dos excluídos está cada vez menos escondido. “A população de sem-abrigo tem aumentado ao longo do tempo”, confirma Fátima Rocha, salvaguardando que o fenómeno varia muito de acordo com a altura do ano. Mas o trabalho não se esgota nos tratamentos médicos e há um esforço de encaminhamento social, onde são apontadas alternativas para uma mudança de rumo. Na sede da organização há o Centro Apoio Sócio Sanitário, o CASSA, que complementa o contacto efectuado nas rondas nocturnas.
“Este trabalho não é a curto prazo. É preciso investimento pessoal e fica-nos tudo muito caro”, adverte Isabel Ferreira, também coordenadora da delegação norte. Sem querer referir montantes, a responsável adianta que os projectos nacionais ficam sempre acima dos 80 mil euros e que as missões internacionais ultrapassam esse valor três ou quatro vezes, dependendo do seu cariz. O financiamento vem essencialmente de campanhas de angariação de fundos, donativos e das candidaturas aos projectos, estando muitas das iniciativas dependentes da duração dessas verbas. “Tínhamos em funcionamento um projecto destinado à população idosa, em que íamos a casa das pessoas prestar cuidados básicos de higiene, de saúde e trazê-las à rua, pois muitas vivem em situações de total isolamento e com o fim do financiamento não temos forma de continuar”, explica a responsável.
Para além dos problemas financeiros, a organização vive do trabalho voluntário, o que implica uma população flutuante, uma situação que também “condiciona o trabalho”. Embora com um carisma mais vocacionado para a área da saúde, a organização aceita voluntários com as mais diversas formações e, segundo as coordenadoras da delegação norte, não são os profissionais de saúde que estão em maior número. “O voluntariado é algo que não pode continuar a ser praticado sem profissionalismo e é necessário criar condições legais para tal”, diz Fátima Rocha. O estatuto de funcionários públicos não facilita a concessão de licenças sem vencimento nem admite a mobilidade dos funcionários do Estado. Em muitos casos, os médicos ou mesmo os paramédicos perdem os direitos conquistados, como a normal progressão das suas carreiras, já que as suas idas para missão não se encontram devidamente apoiadas.
Desde 2006, o programa “Porto Escondido” passou também a abranger, com o financiamento por parte do programa ADIS/SIDA, a população com comportamentos de risco e em situação de vulnerabilidade social. Actualmente, o projecto actua de acordo com Plano Nacional de Saúde 2004-2010 e com o Plano Nacional de Luta Contra a SIDA (2004) e já ajudou mais de 1700 pessoas.
Data de introdução: 2009-03-13