1. A crise parece ter assentado arraiais no nosso quotidiano. Está no ar, no olhar e nas conversas. E o mais estranho é que este sentimento de apreensão é global. Há muito tempo que ela se fazia anunciar. Agora, porém, foi finalmente assumida. E a sensação é de que veio para ficar.
Sempre a crise: crise financeira ou crise de valores, mas crise!
Nada a que não estivéssemos já habituados: atrás de uma crise outra crise surgiria – era o que se partilhava entre quem já outras crises enfrentara. Nas instituições públicas e privadas, nas pessoas e na comunidade.
E negras dúvidas sobre o futuro próximo se vão adensando: muito provavelmente, o ano prestes a findar, apesar de marcado pela crise, ainda poderá ter sido bem melhor do que aquele que já se anuncia. Pelo mundo, mas também entre nós…
Consequência: quando, em outros anos, bem cedo se antecipava o frenesim do Natal, com um infindável número de atracções e solicitações que faziam mergulhar tudo e todos numa espiral consumista, agora parece que o Natal que se avizinha “vai ser um Natal diferente”.
2. Nos últimos anos, muitos (ou todos) se foram desviando de um Natal que, outrora, tanto encantava e tanta saudade deixou. Com profusão de “pais de barbas brancas e mantos vermelhos” e assaz bonacheirões, pinheiros engalanados e ruas efusivamente iluminadas, o Natal converteu-se numa quadra de corrupios de gastos excessivos. Assim se foi desvirtuando, aquele que já fora o Natal da simplicidade, da família, da fraternidade, da paz, da proximidade, da poesia, da religiosidade, das crianças, do encontro, do humanismo, dos avós e dos sonhos. Também de presentes, que valiam pelos afectos de que eram expressão e não tanto pelos conteúdos que os pacotes afagavam.
Natal da nostalgia? Natal vencido? Talvez, mas um Natal que a muitos estruturou na sua personalidade com cambiantes de ser, de estar, de sonhar, de intervir e de abraçar.
Muito provavelmente, a crise e o abandono progressivo de valores, como o do Natal, por exemplo, acompanharam-se entre si irmãmente, dando-se de tal modo as mãos e confundindo-se de tal maneira que já não se conseguirá distinguir entre causa e efeito, causador e consequência, porque o abandono de valores gera crises e nas crises sobra espaço para o niilismo.
Por causa da crise, o Natal deste ano parece confinado ao seu mês e reconfigurado como menos folgazão e talvez menos “pai”. O que poderá nem ser mau de todo e até favorecer algum reencontro com origens, matriz, espaço e época, que pareciam irremediavelmente adulterados.
As crises também podem ser purificadoras e durante elas novas esperanças poderão advir.
Em tempo de crise, remanesça a capacidade de reflectir, purificar e inflectir.
3. Há sérias razões para antever tempos ainda mais difíceis para as Instituições de Solidariedade. Às sucessivas e por vezes injustificadas exigências que elas têm vindo a enfrentar, juntar-se-ão os efeitos da decantada crise, que farão com que muitas (ou todas) venham a sentir graves dificuldades para suportar custos excessivos e, simultaneamente, abraçar desafios imperiosos. Definitivamente, poderemos dizer que as desmedidas exigências, entre outros gravosos efeitos, bloqueiam as Instituições e agravam a crise. E as Instituições são tão estimáveis como serão um tónico indispensável para minorar efeitos da crise.
Entretanto, esta época natalícia poderá ser tempo favorável para sulcar campos de nova esperança.
As Instituições de Solidariedade serão chamadas a atender mais pessoas e, entre elas, a privilegiar as mais carenciadas. Algumas nem suas utentes serão, mas, porque são pessoas (e o Natal das pessoas é aquele para o qual as Instituições mais vocacionadas estão), verão aproximarem-se delas as Instituições.
E, com um Natal menos dispendioso, poderemos engendrar um Natal mais humano e reafirmar aquilo que é a especificidade deste sector: o primado do homem e do humano sobre o aparato e o artefacto.
Assim, privilegiando as pessoas (e sem um discurso agoirento), as Instituições de Solidariedade saberão proclamar que uma sociedade que se estrutura na subalternização dos valores em que se enquadrou percorre caminhos de ruína.
Aurora de esperança para uma vida mais humana é a estrela do Natal que guia as Instituições de Solidariedade.
* Presidente da CNIS
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