JOSÉ A. SILVA PENEDA

O valor da negociação coletiva e a inflação

A situação da negociação coletiva em Portugal não é famosa. Embora tenha havido nos últimos anos alguma recuperação, estamos ainda longe do ponto em que nos encontrávamos antes do tempo em que a troica decidia sobre a política económica do País.

Porquê esta evolução tão tímida da negociação entre representantes das empresas e dos trabalhadores? Será que esta forma de negociação tem utilidade para as partes envolvidas? E será que traz vantagens para o País? E, com a inflação a subir, o que se pode esperar da negociação coletiva?

Neste texto, vou tentar ensaiar uma resposta a estas questões.

Se a grande prioridade do País é pôr a economia a crescer, o ritmo desse crescimento vai passar pelo comportamento das empresas. Ora, o posicionamento dos atores envolvidos, terão a maior importância nessa caminhada porque são eles – gestores e trabalhadores -quem melhor conhece as empresas. Mas não chega. Tudo vai depender de um ambiente mais geral, em que a componente política será determinante.

Ora, esse ambiente mais geral vem sofrendo mutações muito significativas. O mundo que nos rodeia é cada vez mais complexo, mais fragmentado e apresenta-se com muito maior diversidade e mobilidade. O elevado nível de interdependência entre tudo e todos faz com que os processos de decisão se tenham tornado mais complexos, porque têm de ter em consideração diferentes tipos de interesses, por vezes mesmo antagónicos.

Este é o tempo em que o poder político tem de acompanhar e a tentar perceber e antecipar os interesses dos diferentes grupos na sociedade. A atitude adaptativa, que consiste em reagir às situações apenas quando elas se transformam em problemas, tem como resultado respostas insuficientes e tardias e quantas vezes atabalhoadas, porque no momento em que se reage a um dado problema, o leque de opções já é muito reduzido.

Neste tempo, os governos são apenas mais um centro de decisão entre outros que influenciam a vida dos cidadãos. Enganam-se aqueles que pensam que a força política de quem governa resulta apenas do voto. Essa força é consequência, também e cada vez mais, da capacidade de relacionamento entre governos e diferentes parceiros económicos e sociais. 

O diálogo, a contratação coletiva e a concertação social são os valores modernos de uma sociedade democrática, porque são a expressão de entendimentos sobre o modo de realizar objetivos comuns. Estamos perante o limiar de uma nova forma de governar que se justifica se atentarmos que os problemas são de tal monta e tão graves que não são possíveis de solução na base de um único agente, por mais poder com que se apresente. O tempo de volatilidade e incerteza que vivemos ainda mais reforça a necessidade do estabelecimento de compromissos, pela confiança recíproca que pode fornecer aos agentes económicos e sociais. Ora, a negociação coletiva é um instrumento para que o entendimento entre sindicatos e empresas se expresse e a concertação social é um patamar ainda mais ambicioso para que o entendimento se faça numa base tripartida, envolvendo também o governo.

No entanto, a boa imagem da contratação coletiva na opinião pública não está adquirida. Há ainda muitos cidadãos que não vêm na contratação coletiva um instrumento de melhoria das suas condições de vida, nem um instrumento que contribua para a paz social e para o desenvolvimento. A este respeito, confederações patronais e sindicatos têm um grande trabalho comum pela frente.  

A respeito da inflação, nos últimos dias tenho ouvido que um aumento de salários generalizado pode provocar uma espiral inflacionista. Não estou totalmente de acordo com esta leitura e explico porquê. A inflação que sentimos é em larga medida provocada por bens importados, designadamente na área de energia, combustíveis e fertilizantes, para os quais a procura dos agregados familiares é relativamente inelástica.

A ser seguida esta orientação de não aumentar os salários, todos vão perder. Perdem as empresas porque a não haver aumentos salariais, o tecido produtivo nacional vai sair a perder por duas vias. Primeiro, porque vai haver menos consumo devido à perda de poder de compra dos salários. Segundo, porque os custos de produção vão aumentar, por via do aumento de preços dos produtos importados. Também perdem os funcionários públicos, os pensionistas e os trabalhadores em geral porque sentirão os efeitos da perda do seu poder de compra.

Penso que haveria uma saída para esta questão, que passaria por uma solução que permita acomodar aumentos salariais, sem que esses aumentos provoquem aumento da inflação.

A ideia é que se negoceie em concertação social um sistema que permita concretizar aumentos salariais divididos em duas componentes: uma componente, a habitual, que pretende acordar sobre aumentos salariais para o próximo ano, e uma outra, inovadora, que abordaria o pagamento de montantes que se destinariam a uma conta pessoal do trabalhador, que seria assumida como prestação complementar de segurança social e que só poderia ser mobilizada em circunstâncias excecionais previstas na Lei.

Essa parte diferida do salário seria abatida com um coeficiente de majoração à matéria coletável da empresa e seria totalmente isenta de IRS para o trabalhador. 

 

Data de introdução: 2022-05-04



















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