CANTINAS SOCIAIS

IPSS veem protocolos reduzidos enquanto se espera pelo novo Programa Operacional

Suprir as carências alimentares que a crise económica agudizou foi o propósito do aparecimento das Cantinas Sociais, um programa com pouco planeamento e que tentou responder a uma emergência. Seis anos depois, o novo Governo quer implementar um novo paradigma na ajuda alimentar, cujo Programa Operacional tarda em chegar ao terreno. Entretanto, as IPSS estiveram três meses sem receber a devida comparticipação do Estado, para depois terem a(s) surpresa(s) de verem reduzidos, literalmente de um dia para o outro, os protocolos com a Segurança Social e com efeitos retroativos.
Foi em 2011, em plena crise económico-financeira, que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho decidiu avançar com uma resposta de Cantina Social, promovendo uma Rede Solidária que arrancou com 62 IPSS espalhadas pelo País.
A medida inseria-se no Programa de Emergência Alimentar, promovido pelo Instituto da Segurança Social (ISS), a que as instituições responderam pronta e efetivamente.
“As instituições fizeram o que lhes competia, que era mostrar disponibilidade”, refere, ao SOLIDARIEDADE, Filomena Bordalo, da CNIS.
Aliás, os números apenas confirmam esta ideia. Se em 2011 a Rede Solidária das Cantinas Sociais arrancou com 62 IPSS, em 2012 eram já 595, a servir 20 mil refeições/dia, em 2014, no pico do programa, eram 859, a servir cerca de 41 mil refeições/dia, registando-se um número de 852, em 2015, e cerca de 42 mil refeições.
O número total de protocolos, ou seja de cantinas sociais, foi, ao longo de todo o período, de 915, dado que houve umas instituições que entraram e outras que saíram do programa.
Na verdade, após o crescimento exponencial até ao pico em 2014, o número de instituições que mantêm a resposta e o número de refeições servidas tem vindo paulatinamente a decrescer. A realidade comprova-o.
São, seguramente, sinais de que a crise está a desapertar o nó em torno da população, depois de uma situação que exigiu uma resposta de emergência.
Por outro lado, o novo Governo, empossado em 2015, desde início deu sinais fortes de querer pôr fim ao programa das Cantinas Sociais. E o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social começou por fazer uma avaliação do programa, tendo concluído pela falta de controlo, pelo número de refeições excessivo nuns sítios e deficitário noutros e que as cantinas sociais serviam muito menos refeições do que o definido em protocolo com o Estado.
No entanto, há que dizer que o Estado nunca pagou refeições que não foram servidas. Ou seja, apesar do que estava protocolado, o Estado apenas pagava às IPSS da Rede Solidária das Cantinas Sociais as refeições servidas, caso estas fossem em menor ou maior número.
“As instituições fizeram o que lhes competia, que foi demonstrar, por escrito, a sua disponibilidade. Porém, o ISS e os centros distritais da Segurança Social, talvez porque era de emergência social, não tiveram preocupações de planeamento, tendo aceitado todas as disponibilidades”, assinala Filomena Bordalo.
Ou seja, um (melhor) planeamento talvez tivesse obstado a que não se verificassem algumas discrepâncias territoriais na distribuição das cantinas sociais, o que depois veio a ser confirmado pela avaliação realizada pelo atual Governo.
“Mas esta falta de planeamento não é da responsabilidade das instituições”, sublinha a assessora da CNIS, que lembrando que, mesmo assim, a medida foi sendo alvo de algumas melhorias, como foi a questão de identificação dos beneficiários, que passou a ter que ser feita através do NISS (Número de Identificação da Segurança Social). Há hoje ainda alguns centros distritais da Segurança Social que exigem também o nome dos beneficiários, requisito com o qual a CNIS não concorda, até porque tem implicações em matéria de proteção de dados.
Porém, a própria evolução das cantinas sociais demonstra que houve um crescimento exponencial, a que se seguiu um período de estabilização, que nos últimos tempos tem vindo a decrescer, no que é demonstrado pela avaliação realizada pelo Governo, intitulada «Programa de Emergência Alimentar - Relatório do Grupo de Trabalho».
Aqui surge a primeira crítica da CNIS, porque o grupo de trabalho que fez a avaliação não contou com a contribuição da Confederação, que nem tampouco teve conhecimento da sua realização, a não ser quando o «descobriu» na Comunicação Social.
“O relatório não teve o contributo da CNIS e não podemos concordar com isso”, afirma Filomena Bordalo, acrescentando: “É certo que este é um programa financiado pelo Governo, mas são as IPSS que o desenvolvem no terreno e em proximidade”.
O relatório do Governo, de Agosto de 2016, concluiu, então, que o programa das Cantinas Sociais evidencia fragilidade na distribuição territorial, sobredimensionamento da oferta de refeições, inexistência de mecanismos sólidos de controlo da execução física e financeira e, entre outras, uma significativa rotatividade dos beneficiários, revelando que “cerca de 17.000 pessoas são beneficiárias permanentes de refeições”.
Perante estas conclusões, o Governo, já no início deste ano, anunciou que gradualmente o programa de Cantinas Sociais seria substituído pelo Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (PO APMC), já no segundo semestre de 2017.
Refira-se, entretanto, que desde 2016 os protocolos das Cantinas Sociais têm sido sucessivamente renovados por seis meses.
Aqui chegados novos problemas surgiram, alguns levantando dificuldades sérias às instituições.
Primeiro, esclareça-se que a filosofia dos dois programas é completamente distinta, tendo como ponto comum o objetivo de suprir as carências alimentares. Assim, enquanto através da Cantina Social o beneficiário recebe uma refeição/dia já confecionada, para tomar na instituição ou na habitação própria, integrado no PO APMC o beneficiário leva um cabaz de produtos alimentares para confecionar em casa.
E aqui levanta-se um primeiro problema, pois nem todos os até agora beneficiários da Cantina Social têm condições, não só para cozinhar em casa, mas para conservar alguns dos produtos que integram o cabaz, como a carne, o peixe ou os legumes congelados, que requerem condições de refrigeração adequadas que nem todos têm. Daí que o PO APMC não seja resposta para todos os necessitados, que terão na Cantina Social a resposta mais adequada.
Prosseguindo o seu caminho de implementação do PO APMC e de redução do número de refeições servidas nas Cantinas Sociais – algo que já vem plasmado no Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário 2017-2018, assinado entre o Governo e as três organizações representantes das instituições sociais –, o ISS, depois de suspender os pagamentos relativos aos meses de julho, agosto e setembro, informou as IPSS, a 29 de setembro, dos novos números de refeições que cada uma teria protocoladas a partir de outubro. Recorde-se que os protocolos da Cantina Social tinham caducado a 30 de junho.
Sem critério conhecido para as reduções aplicadas, as IPSS viram-se a braços com uma situação muito delicada, pois é sobre elas que cai o ónus da «eliminação» dos beneficiários das listas da Cantina Social.
No Porto, o Centro Social da Paróquia da Areosa sofreu um corte de 66% no número de refeições. Até junho, a instituição tinha 30 refeições protocoladas, mas a 30 de setembro foi-lhe comunicado pelo ISS que em outubro serviria apenas 18 e em novembro e dezembro apenas 10.
E esta situação acontece quando ainda não está no terreno o PO APMC, programa que devia colmatar as necessidades em tempo de redução das Cantinas Sociais.
“Solicitámos à Segurança Social que nos desse uma lista com os utentes a afastar, mas, à semelhança do que aconteceu com outras instituições, não obtivemos resposta”, conta Goreti Teixeira, adiantando que as técnicas do Centro elaboraram um modelo de seleção, “em que o primeiro critério é a assiduidade no levantamento das refeições”.
Para além de ficarem com o ónus da seleção de quem deixa a Cantina Social, as instituições ainda têm que comunicar aos beneficiários, situação sempre constrangedora, até porque não possuem argumentos fortes para o justificar, a não ser que foi por determinação da Segurança Social. Porém, quem está no terreno são as IPSS e esse é o rosto que os utentes conhecem.
Apesar de ser uma Cantina Social com pouca expressão numérica, a verdade é que o Centro Social da Paróquia da Areosa sofre um corte de dois terços.
Nesta espécie de jogo das cadeiras, a instituição deparou-se com “duas situações aflitivas” cuja solução foi incluir os dois utentes na resposta de Centro de Dia, “para lhes assegurar as refeições”.
Para Goreti Teixeira, a instituição conseguiu resolver os dois casos “porque havia vaga”, mas “esta solução acaba por encarecer o esforço do Estado”.
“Os números da instituição são pequenos, mas evidenciam a dimensão do corte aplicado pela Segurança Social, no nosso caso 66%”, lamenta Goreti Teixeira.
Já no caso do Centro Social e Paroquial Santo Condestável, em Bragança, apesar de servir muitas mais refeições, concretamente 100 por dia, o corte é mais suave. Assim, a instituição serviu em outubro 95 refeições, em novembro 90 e em dezembro servirá apenas 85.
“Mas sempre servimos mais dos que as que estavam protocoladas”, refere Pedro Guerra, porque “se as pessoas precisam nós damos”.
A instituição tem também um refeitório social, para o qual já transitou alguns dos beneficiários, mas, segundo o diretor de serviços, agora terão que “apertar mais o filtro” na seleção dos utentes.
“Para nós vai ser complicado, mas sabemos que cada caso é um caso e há casos que vamos continuar a apoiar, porque percebemos que têm de continuar a ser apoiados”, sustenta, deixando uma crítica ao novo paradigma de ajuda alimentar, que tarda em chegar ao terreno: “Penso que o PO APMC pode resultar em 10% dos casos. Ainda é importante as pessoas terem a comida feita, porque é sinal que comem. Darmos alimentos não significa que vão ter refeições equilibradas e uma alimentação cuidada. As condições para confecionar as refeições já são outros quinhentos”.
E se a redução já levanta alguns problemas, o atraso no pagamento das refeições do terceiro trimestre do ano levantou problemas graves a algumas instituições que tiveram mesmo que interromper o fornecimento de refeições a quem precisava.
Acresce que a redução determinada pelo ISS teve efeitos retroativos, ou seja, há instituições que viram a diminuição aplicada a partir de outubro ter efeitos desde de julho. Isto fez com que muitas instituições servissem durante três meses o mesmo número de refeições que estava acordado até junho, pois a redução só foi comunicada a 30 de setembro, não lhes sendo agora pago esse excedente.
Entretanto, o ISS tem vindo a regularizar esse atraso, mas há instituições que ainda não receberam a totalidade das verbas relativas ao terceiro trimestre.
O propósito do Governo é que, nesta primeira fase de redução (administrativa), o número de refeições se fixe nas 22 mil, mas enquanto isso, continua por ir para o terreno o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas, que pretende implementar o novo paradigma na ajuda alimentar a quem mais precisa.

CNIS: AVALIAÇÃO EM 2012

Logo em 2012, a CNIS realizou uma primeira avaliação do programa junto das suas filiadas. Nesse ano, das 595 IPSS aderentes, 324 (54,45%) eram associadas da CNIS.
“A grande maioria das IPSS considera a Cantina Social como uma medida que responde de forma ágil e muito positiva a um grupo cada vez maior de pessoas com carências alimentares, minorando o impacto da atual crise económica”, pode ler-se nas conclusões da referida avaliação.
As instituições consideraram ainda que a medida tinha impacto a três níveis: dos beneficiários, “garantindo o suprimento das necessidades básicas alimentares” e “prevenindo situações de rutura familiar”; da comunidade, que se sente “comprometida na concretização” e adota uma atitude colaborativa; e das instituições, pela otimização de recursos e por terem, assim, “mais um instrumento de ação”.
Por outro lado, apontavam como principal dificuldade a “dispersão geográfica e a consequente dificuldade de acesso para os beneficiários, especialmente, das zonas rurais”.
Do inquérito às IPSS, a CNIS concluiu ainda que aquelas sentiam uma grande preocupação em abranger os “novos pobres”, ou seja, os da chamada “pobreza envergonhada”.
A esta altura, a CNIS pôde ainda confirmar que as IPSS têm, de facto, capacidade técnica e humana para avaliar a realidade social e económica das comunidades, ou seja, a seleção de beneficiários da resposta foi bem feita, já que recolheu a concordância da Segurança Social.
“Esta confiança e reconhecimento acarretam ainda maior responsabilidade às instituições e aos serviços distritais da Segurança Social”, conclui Filomena Bordalo.
No final, a CNIS fazia uma série de propostas que incidiam essencialmente na organização e funcionamento da medida, na articulação com a Segurança Social e na articulação interinstitucional, que potenciou, entretanto, um conjunto parcerias entre as IPSS, especialmente em meio rural.

 

Data de introdução: 2017-12-07



















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