Hospitais Recebem Cada Vez Mais Crianças em "Risco Social"

O número de crianças em situação "de risco social" - o que inclui maus-tratos, rejeição familiar, carência económica e encaminhamento para adopção - que dão entrada nos principais serviços de Pediatria do país aumentou entre 10 a 20 por cento em três anos, assinala um inquérito levado a cabo pela Comissão Nacional da Saúde da Criança e do Adolescente e hoje divulgado pelo Público.

A presidente da comissão, a pediatra Maria do Céu Machado, disse àquele diário que o aumento de "casos sociais" atravessa todos os serviços contactados. No questionário era perguntado se, entre 2000 e 2003, o número de crianças "em que foi pedida a avaliação social" tinha aumentado e a resposta foi positiva, sendo que a maior parte dos serviços indicou aumentos entre 10 e 20 por cento, refere.

Ou seja, nestas situações um determinado profissional de saúde (ou outro) referenciou aos serviços sociais do hospital casos em que se considera que a criança está "em risco social", que podem ir desde maus-tratos a subnutrição, passando por situações em que a medicação, por exemplo numa criança diabética, não está a ser devidamente administrada, por negligência dos pais ou por carências económicas.

A responsável considera que o único caso em que não houve aumento, a Maternidade de Alfredo da Costa, é atípico. Aqui, o acompanhamento social começa logo nas consultas de gravidez de alto risco, o que faz com que a criança não seja referenciada quando nasce, porque já há um acompanhamento social da família.

Pelo menos metade das crianças em risco social tem menos de dois anos de idade. Maria do Céu Machado acredita que este é "o grupo mais visível", por ser nesta faixa etária que há maior número de idas às urgências e internamentos, porque existem problemas de saúde frequentes, como é o caso das infecções respiratórias.

A principal fatia destes "casos sociais" - entre 20 e 30 por cento - trata-se de casos de maus-tratos, o que inclui situações de violência física, abuso sexual e negligência. O problema não é um exclusivo das zonas urbanas e suburbanas: nalguns casos "do Portugal interior", caso do hospital de Vila Real, chegam aos 53 por cento. Mas os números de crianças em risco são bastante inferiores nestas instituições mais pequenas (ao todo foram 58 em 2003) do que, por exemplo, os 400 a 500 casos que são assinalados por ano no hospital de Amadora-Sintra.

A carência económica é a segunda situação mais referenciada aos serviços sociais dos hospitais, logo seguida da rejeição familiar, que incluiu casos de acompanhamento para adopção.

Na opinião da responsável, tanto o aumento dos casos em risco social num todo, como a situação da subida dos maus-tratos em particular são atribuíveis a factores como a subida do desemprego, da imigração, da pobreza, mas também à maior visibilidade do fenómeno dos maus-tratos que faz com que todos os profissionais estejam mais atentos a sinais de alerta.

E não são só os profissionais de saúde que sinalizam casos. Por vezes, é a própria família alargada que contacta por sua iniciativa os serviços sociais dos hospitais que, por norma, referenciam casos de eventuais maus-tratos às comissões de protecção de crianças e jovens em risco.

Quando o hospital considera que há risco de vida, os processos são remetidos para os tribunais com um relatório médico a fundamentar os motivos do risco. "As comissões resolvem imensos casos, mas têm um problema: precisam do consentimento da família para fazer a avaliação da criança. Não têm a força nem a autoridade dos tribunais", sublinha Maria do Céu Machado.

Quando isto acontece, o tribunal dá ordem ao hospital para que a criança não tenha alta clínica. Até que o tribunal faça esta avaliação, para analisar se a criança deve voltar à família ou ser dela afastada, "decorre um processo que pode levar meses".

Responderam ao questionário nove das 12 instituições contactadas: a Maternidade de Alfredo da Costa, os hospitais da Estefânia, ambos em Lisboa, o Amadora-Sintra, o Garcia de Orta (Almada), assim como os hospitais de Vila Real, de São João (Porto), de Leiria, de Évora e o Pediátrico de Coimbra. "Os casos que chegam aos hospitais são uma fatia do que acontece globalmente no país", remata a responsável.

 

Data de introdução: 2005-02-14



















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