ANTÓNIO JOSÉ SEGURO, SECRETÁRIO-GERAL DO PS

Não sei como é que vou encontrar o país daqui a um ano e meio


António José Seguro está convencido que será o próximo Primeiro-Ministro de Portugal. Líder do Partido Socialista há três anos, Seguro acredita que o futuro do país não pode passar pelas políticas de austeridade e empobrecimento que atribuiu ao governo actual, do PSD e CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, em conluio com a troika.
Nesta Grande Entrevista o político deixa transparecer algumas das ideias que tem sobre o sector social solidário, em grande medida por comparação com o que tem sido a acção do actual executivo.
António José Seguro nasceu em 1962, em Penamacor, licenciou-se em Relações Internacionais e frequenta o Mestrado em Ciência Política. É docente universitário.
Do percurso político salienta-se a passagem por quase todos os patamares partidários, desde a base até ao topo, desde a Juventude Socialista até ao Parlamento Europeu. Foi Secretário de Estado da Juventude e Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e, em 2001, António Guterres convidou-o para o cargo de Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

SOLIDARIEDADE - Em que é que o PS, na Solidariedade e Segurança Social, se diferencia do que tem sido feito por este governo?
ANTÓNIO JOSÉ SEGURO
- Em primeiro lugar, nós consideramos que é impossível fazer qualquer reforma no país colocando as pessoas de fora. As pessoas devem ser o centro, quer seja da reforma da administração pública, da reforma das funções sociais do Estado, de qualquer alteração de política pública. Essa é a grande diferença. Para este governo, muitas das vezes, apercebemo-nos que as pessoas é que são o problema. Para nós as pessoas são o potencial, o destinatário das políticas. E por isso, se as pessoas estão pior, se as pessoas passam mal, o país não pode estar melhor.

Há um relacionamento entre o Estado e o sector social solidário que se tem pautado por um reconhecimento de que as instituições fazem melhor e mais barato... julga que isto é um benefício?
Só quem não conhece o país é que pode ter uma ideia negativa do trabalho que as instituições de solidariedade social têm desenvolvido em prol da coesão social, do combate à pobreza e, particularmente, da garantia de um tratamento de dignidade, designadamente a pessoas com idade avançada e portadoras de deficiência. É um trabalho fantástico que é desenvolvido quer nos centros urbanos, quer nas aldeias mais recônditas e com menos população do nosso país. E por isso, o Estado tem que olhar para estas instituições como indispensáveis porque desenvolvem um trabalho de proximidade. Quer na detecção de situações mais graves de natureza social quer na prestação desses cuidados, sejam eles alimentares ou de saúde. Na minha concepção, considero que é competência do Estado garantir o desenvolvimento de políticas públicas de protecção, segurança social, saúde, mas não tem que ser o Estado necessariamente a garantir e a prestar esses serviços. Bem pelo contrário, deve contratualizar com as instituições de solidariedade social para que elas possam, nalguns casos, continuar a desenvolver o seu trabalho, noutros continuar a prolongar a rede de protecção social e de cuidados. Cuidar das pessoas é fundamental nessa relação.

Considera que a cobertura nacional de equipamentos sociais é suficiente? Há respostas que precisam de maior atenção? Ou mais obra?
O foco não deve ser na obra, mas sim nas pessoas. Nós temos que ter uma oferta diversificada de prestação desses cuidados, alguns dentro de casa, dentro de instituições, quer seja de lares, centros de dia, mas outras na criação de equipas multidisciplinares que possam ter enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, médicos e que se desloquem à casa das pessoas. Sempre que for possível combinar esta diversidade de respostas, de rede de cuidados, será mais eficaz e responderá melhor áquilo que também é a vontade das pessoas. Eu considero que a resposta deve evoluir para a manutenção dos equipamentos que existem, mas também de ir a casa das pessoas. E aqui tem que haver uma acção complementar entre duas áreas que muitas vezes não casam uma com a outra. A área da segurança social e a área da saúde. Hoje há muitos relatos de pessoas que chegam aos hospitais e a primeira pergunta que fazem é quando é que lhes dão de comer. Isto é, vão à procura de um tratamento médico, mas rapidamente se transforma num caso social.

E acha que faz sentido pensar em reforço de competências? Repensar o papel das IPSS tendo em conta que o Estado, designadamente no interior, tem abandonado as pessoas?
O que considero fundamental é que exista uma rede local. Essa rede local tem que ter na participação da decisão e da execução aqueles que prestam cuidados sociais às pessoas: as instituições de solidariedade social, as autarquias, representantes do ministério da saúde e da segurança social e outros organismos. Eu considero que o Estado deve, em termos nacionais, definir orientações e afectar recursos. Activar a rede de protecção social em cada freguesia, em cada concelho é decisivo para aproveitar as sinergias de todos aqueles que trabalham e para não haver instituições de costas viradas umas para outras a desperdiçar recursos.

É o que vai sendo feito...
Mas houve uma regressão muito grande em relação a essas redes de resposta social.

Um dos grandes problemas do sector é a sustentabilidade. Acha que o Estado deve continuar a garantir uma boa parte do financiamento para estas instituições?
O Estado não pode demitir-se da responsabilidade de garantir as políticas públicas de modo a tratar com dignidade todos os cidadãos, sobretudo aqueles que estão numa situação de maior vulnerabilidade. O Estado deve contratualizar com instituições de solidariedade de modo a que elas possam concretizar essa orientação política.

Há quem defenda que o financiamento do Estado poderia ser feito através das famílias, os cheque-família. Que lhe parece essa solução?
Não tenho uma opinião definitiva sobre os méritos dessa solução...

Como encara esta nova realidade de haver gente que tem que deixar os lares porque já não tem dinheiro?
Com muita preocupação. Como o filho ou a filha estão desempregados parte da reforma ajuda a gerir o orçamento e, portanto, vão buscá-los aos lares para de alguma forma dizer, eu tenho tempo livre não estou empregada e esta reforma ajuda-nos. Tenho encontrado muita gente nessa situação. E há pessoas que têm que deixar o lar, ficam só no centro de dia, porque já não têm dinheiro para ficarem lá de noite. O aumento destes casos está a criar uma pressão tal nas instituições de solidariedade que elas já não conseguem, por si só, resolver o problema. Temos uma situação muito complicada do ponto de vista social.

Uma das opções do governo foi a flexibilização normativa. Parece-lhe atinado?
Eu devo dizer-lhe que aquilo que me preocupa é que as pessoas sejam tratadas com dignidade e que sejam tratadas com todo o conforto, com todo o carinho e com todas as condições que lhes podemos proporcionar. E portanto, eu atento menos ao número de metros quadrados e atento mais às condições que cada instituição pode oferecer para cuidar com essa dignidade as pessoas que recebe.

Houve uma altura em que a primazia foi dada à qualidade dos equipamentos... Um lar parecia um hotel nos requisitos técnicos...
Esse foi um grande erro. Primeiro porque esbanjaram-se recursos quando podíamos ter outro tipo de orientação para a arquitectura desses edifícios e, depois, os próprios custos de manutenção foram programados como se os recursos fossem infinitos. É preciso que exista uma multiplicação de respostas em todas as situações, várias soluções que permitam de alguma forma responder melhor ao caso concreto das pessoas.

Qual é a sua opinião sobre o PEA, Programa de Emergência Alimentar e, concretamente, a rede de cantinas solidárias?
A ideia que tenho é que não podemos ter políticas públicas baseadas numa atitude assistencialista. Isto é, as políticas públicas devem ser desenvolvidas sem criar estigmas e em função de objectivos: a coesão social, manter toda a gente com o mínimo de dignidade. Este governo não tem uma política social. O que este governo tem é resposta de cariz assistencialista para a resolução de problemas que o próprio governo de alguma forma gerou, causou e aumentou. Nós hoje temos mais pobreza, temos mais desigualdade social e, portanto, esta lógica da sopa dos pobres ou esta lógica de abrir uma porta para que as pessoas não tenham que passar pela luz do dia para ir buscar comida, choca-me profundamente e choca a esmagadora maioria dos portugueses.

Mas sabe que tem tido uma adesão surpreendente...
Isso é verdade, mas aquilo que nós deveríamos desenvolver era políticas públicas que pudessem evitar que essas pessoas caíssem nessa situação. Se for ver, uma grande parte das pessoas que recorrem a essas solicitações, a essa necessidade, a essa solução, tem a ver com a classe média que de um momento para o outro viu descer o seu nível social. Gente que se viu privada de rendimento e nunca lhe passou pela cabeça que algum dia tivesse que ir bater à porta de uma instituição a pedir uma sopa ou a pedir um bife com batatas fritas. E esta situação criou, obviamente, um estigma social. O que seria normal era que nós não precisássemos de ter essa oferta de refeições.

No rendimento social de inserção tem havido uma redução no número de beneficiários. É uma medida que deve ser considerada?
Merece ser bem trabalhada porque é um instrumento que ajuda a que todos os cidadãos tenham um mínimo de rendimento que lhes permita viver com dignidade. Eu prefiro que seja o conjunto da sociedade a retirar um pouco dos seus recursos para ajudar as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade momentânea e que, através de um programa concreto, possamos reinseri-los socialmente do que estar a dar esmolas. A esmola não faz parte da vida.

Aquela designação inicial do rendimento mínimo garantido não fará sentido...
O rendimento mínimo tinha acoplado esse objectivo. O do regresso à escola, o combate ao absentismo, ao abandono escolar, a obrigatoriedade dos próprios pais terem uma evolução do ponto de vista educativo... Agora, o que me parece é que cada vez que há uma política há sempre gente que abusa. Tomou-se a parte pelo todo e começou a haver um estigma sobre o próprio RSI. Dizia-se que era destinado a pessoas que não faziam nada ou que poderiam ter outro tipo de rendimentos e estavam imerecidamente a receber esse rendimento mínimo. Nós temos que combater a fraude, mas não podemos acabar com as políticas que se destinam a ajudar as pessoas que por diversas razões vivem em profunda dificuldade. Dou-lhe um exemplo: nós hoje temos mais de oitocentos mil portugueses que estão desempregados, não contando com aqueles duzentos mil que abandonaram o país. O que é que se verifica: uma parte importante dos desempregados, mais de metade, já não têm qualquer tipo de protecção social porque acabou o subsídio de desemprego e o subsídio social de desemprego. Essas pessoas vivem de quê? Ou têm uma estrutura familiar ou amigos que os ajudam ou vão bater à porta das instituições sociais que existem no nosso país, ou das câmaras municipais. Isto é vida para este país?

Que expectativas podem ter os pensionistas, os reformados, os aposentados se vier a liderar o governo...
Eu exijo a mim mesmo muito rigor nas respostas a perguntas tão objectivas como aquela que fez. Eu não hesitei quando o governo anunciou um corte de retroactivos nas pensões, de que estaria contra, que iríamos enviar para o Tribunal Constitucional. Se fosse declarada a constitucionalidade, eu disse que reporia esses cortes retroactivos nas pensões. Felizmente o TC disse que era inconstitucional e, portanto, o problema não se coloca. Segundo, eu considero que a situação das finanças públicas no nosso país é muito frágil. E se eu tivesse que fazer, neste momento, uma proposta concreta sabendo teria eleições daqui a três meses, eu não teria dúvida nenhuma em dizer-lhe sim, e de que forma, ou não, ou dizer-lhe: depende da margem que eu tiver. Mas eu não sei como é que vou encontrar o país daqui a um ano e meio. E por isso, serei mais prudente. Quero manter-me fiel ao princípio de só prometer aquilo que tenho a certeza poder cumprir. Aquilo que eu considero e tenho defendido é um acordo de concertação social onde a política de rendimentos em matéria de salário mínimo, salários e de pensões mais baixas seja o projecto de uma grande concertação social.

Ficou surpreendido com o último relatório do FMI?
Quer dizer, o FMI já não me surpreende em nada porque o FMI diz hoje uma coisa, diz outra amanhã. O que eu fiquei surpreendido foi com este foguetório todo do governo dizendo que vinha aí um milagre económico sintetizado na infeliz frase: as pessoas vivem pior, mas o país está melhor. Nas estatísticas que o governo evoca para dizer que as coisas estão a mudar, se aplicar o critério da sustentabilidade nenhuma passa. O que significa que o governo está a empurrar com a barriga e podendo haver algumas melhorias conjunturais elas decorrem de quê? De cortes, onde? Nos trabalhadores, nas reformas e de um aumento brutal do IRS, cerca de 33% de aumento brutal. Ora, isto é sustentável? O que é exigido a um governo é disciplina nas contas públicas, muito rigor na gestão dos dinheiros públicos, mas sobretudo criar uma estratégia que ajude ao crescimento da nossa economia, gerando os recursos necessários para garantir a sustentabilidade das funções sociais do Estado. Se for só cortes o país mingua, o país entristece, o país transforma-se num grande lar de idosos, com um enorme batalhão de desempregados. É isso que queremos para o nosso país?

Concorda com a convergência das pensões?
Concordo. Eu defendo uma convergência para o futuro do sistema da Caixa Geral de Aposentações com o da segurança social. É inevitável. Tenho-o dito publicamente, há mais de um ano e meio que o defendo e, se for necessário acelerar essa convergência, eu estou disponível. Porque isso é que é garantir que se respeitam os direitos de quem descontou uma vida inteira, e já lhe foi atribuída uma pensão, com aqueles cuja pensão ainda não está formada, ainda não lhe está atribuída, mas aspiram a tê-la, não apenas durante um ano, dois ou três, mas ao longo de toda a sua vida. Nós temos um problema grave que decorre do aumento da esperança de vida conjugado com uma baixa natalidade, com uma diminuição da população activa. Nós financiamos a segurança social, como sabe, na base do número de empregados. Havendo cada vez menos empregados e cada vez mais reformados, naturalmente que temos por essa via, aqui um problema. Nós temos que encontrar forma de financiamento em que o trabalhador desconta uma parte e o empresário desconta sobre outra parte, mas em função do trabalhador.

Tem algumas medidas, algum conceito relativamente ao incentivo à natalidade?
Em primeiro lugar, qual é a razão para as pessoas não terem mais crianças? É porque não têm emprego, ou então tendo emprego, não têm a garantia de que esse emprego é duradouro, que possa gerar os recursos para fazer face à criação e educação das crianças, permitindo uma conciliação entre a vida familiar e a vida profissional. O que eu lhe digo é que tem que se agir de diversas formas, mas a principal resposta é o emprego. Se as pessoas não sentirem segurança, estabilidade no seu emprego, vão ter um filho para quê? Temos que ter políticas de apoio à natalidade, mas o fundamental é que sem emprego não há filhos.

Ficou surpreendido com os números da conta satélite do INE? Vê o sector social como uma das áreas que pode ajudar nessa criação de emprego?
Vejo e tenho muita expectativa. Agora o discurso político tem que ser acompanhado de instrumentos concretos para ajudar a dinamizar essa economia social. Nós vamos ter, no âmbito do movimento Novo Rumo, uma das conferências é precisamente dedicada à economia social. A Dra. Maria de Belém está a organizar essa conferência que vai decorrer no próximo mês de Abril e portanto tem esse objectivo: nós podermos estimular a economia social, quer na vertente das instituições de solidariedade social quer no apoio à constituição de cooperativas que em Portugal. A economia social, será para nós uma das vertentes importantes no projecto de governo.

Que tipo de diálogo, no caso de vir a constituir governo, vai estabelecer ou vai continuar a manter com as entidades representantes do sector social solidário?
Como disse sou um defensor da definição de políticas públicas a nível nacional, mas da sua contratualização com operadores o mais próximo das pessoas, sejam eles as autarquias sejam eles as instituições da área social. E por isso, eu não gosto muito daquelas relações entre instituições com o governo que é quanto mais grita, mais pressiona, mais recebe. Eu gosto de coisas mais claras, contratualizadas e, se possível, com contratos plurianuais de modo a introduzir estabilidade.

No fundo já existe essa política de cooperação...
Mas nem sempre é cumprida porque depois há uma renegociação dos envelopes financeiros, depois tem que se cortar, depois mexe-se no IVA, depois volta-se atrás naquilo que se tinha prometido... É preciso haver previsibilidade e estabilidade. Se eu me dirigir a uma instituição eu quero saber com o que é que conto porque em função disso, eu faço a minhas opções. Eu não posso gerir uma instituição dizendo que conto com cem, faço investimentos a pensar nisso e ao fim de três anos dizem-me que não é cem, mas oitenta, criando-me um estrangulamento, aumentando a necessidade da minhas respostas, tornando os problemas sociais maiores.

Neste sentido, faz sentido um órgão regulador externo ao próprio Estado?
Nunca pensei nisso, para lhe ser totalmente franco e sincero. Aquilo que me parece neste momento mais importante é que se respeitem as partes, que haja um contrato entre o Estado e as instituições de solidariedade, que seja transparente, fácil de ser fiscalizado, quer pelos contribuintes quer pelas próprias entidades do Estado e, sobretudo, numa relação adulta, uma relação madura.

Acredita que vai ser primeiro-ministro em 2015?
Claro. Eu acredito que vou ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. Preparei-me para isso, estou a trabalhar para isso e quero ser merecedor de uma maioria absoluta.


V.M.Pinto – texto e fotos

 

Data de introdução: 2014-03-06



















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