Um passo atrás, um passo adiante, um passo atrás...

1 - Na passada semana, o Tribunal Constitucional deliberou, num processo de recurso que lhe foi apresentado por duas mulheres que entre si pretendiam celebrar casamento, não ser inconstitucional a disposição do Código Civil que define o casamento como um contrato entre duas pessoas de sexo diferente.
Em consequência, o Tribunal Constitucional manteve a decisão dos Tribunais das instâncias de não permitir a celebração de um contrato de casamento nessas condições.
Como se sabe, o argumento jurídico principalmente apresentado pelos defensores do casamento homossexual é o de que a recusa em permitir a celebração desse casamento viola o princípio da não discriminação em função da orientação sexual, que, a seu ver, constaria da Constituição da República Portuguesa.
Não foi esse, no entanto, o entendimento do nosso mais alto tribunal em matéria de controlo de constitucionalidade. Que considerou não haver violação desse princípio na actual formulação legal do conteúdo desse contrato como privativo de uma relação entre um homem e uma mulher.
O Tribunal Constitucional foi, no entretanto, dizendo que a definição das condições desse contrato cabia ao legislador ordinário - pelo que, não sendo inconstitucional a disposição da lei que apenas permite o casamento heterossexual, a mesma lei pode passar a dispor em sentido inverso, permitindo-o.

2 - Trata-se, como todos sabem, de uma questão sensível.
De um lado, os que entendem que a instituição do casamento se consolidou ao longo dos séculos como forma de solenizar uma relação heterosssexual como base de constituição das famílias e da propagação da espécie humana.
(A esse propósito, da antiguidade da instituição, anda por aí alguma mistificação argumentativa, nos que dizem que o casamento civil é um instituto jurídico recente, com cerca de dois séculos apenas.
Formalmente, parece ser assim, na medida em que, na verdade, a autonomia do casamento civil em relação ao casamento religioso só ocorreu com o liberalismo político e o fim das monarquias absolutas, no início do século XIX.
Em Portugal, por exemplo, foi Alexandre Herculano que, nas Cortes, nos finais da década de 50 desse século, mais se bateu pelo casamento civil, no contexto mais amplo das leis do registo civil.
Também é desse tempo a luta pelos enterramentos nos cemitérios, fora das igrejas. Mas não e pela mudança na forma dos enterros que se pode dizer que as pessoas antes não morriam…
Do mesmo modo, o casamento civil, como desde então o configuramos, é - salvo na natureza sacramental e na indissolubilidade -, no essencial, a continuação do modelo multissecular do casamento religioso.
Poe exemplo, herdou da tradição canónica a natureza heterossexual e a finalidade de constituição da base jurídica da família.
Quer isto dizer que, quando invocamos a linhagem do casamento civil como argumento para defender que se trata de uma instituição jovem, portanto mais facilmente modificável, não podemos ficar por 1850, antes temos, por honestidade intelectual, de recuar até aos primórdios da instituição do casamento pela Igreja Católica.
O casamento canónico e o casamento civil são, neste contexto, a mesma coisa.)

3 - Do outro lado, os que defendem que a lei deve mudar e que deve mudar no sentido de a instituição jurídica do casamento dever passar a acolher outros figurinos diversos do modelo canónico heterossexual, correspondendo aos novos modos de organização da família.
(Não sei se o Dr. Almeida Santos, Presidente do Partido Socialista, se poderá incluir neste grupo.
Ao filiar o, a seu ver, grande crescimento da homossexualidade na excessiva exposição publicitária da mulher – argumento a que, no meu tempo, chamaríamos marialva -, suspeito de que os defensores da mudança da lei bem prefeririam passar sem a solidariedade do Dr . Almeida Santos nas suas hostes.)
Entre ambas as posições, não sabendo se sim ou se não ou nada lhes importando o tema, creio estar a grande maioria da população.

4 - Mas trata-se, na verdade, como referi, de matéria sensível, como toda a matéria relativa a costumes, principalmente tratando-se de mexer em tradições e soluções longamente consolidadas e que se tinham por adquiridas.
Nos alicerces só se pode tocar com pinças, com perícia e com competência – sob pena de ruir o edifício.
O tema exige, por isso, um longo e profundo debate na sociedade portuguesa.
Foi aliás essa a posição defendida pelo Partido Socialista no ano transacto, aquando da apresentação no Parlamento de uma proposta do Bloco de Esquerda no sentido de ser alterado o Código Civil, de modo a viabilizar o casamento homossexual.
O PS entendeu então que o assunto e o debate sobre ele não estava ainda suficientemente amadurecido na sociedade.
E votou contra.

5 - Na mesma semana da decisão do Tribunal Constitucional, no entanto, o Partido Socialista apresentou o seu programa de Governo.
Lá figura, como cabeça de cartaz, o casamento homossexual.
Já aqui escrevi, na última crónica, que os votos que essa proposta traz têm dono – é o Bloco de Esquerda.
É o Bloco que, na verdade, merece tais votos.
Para o Bloco, o tema está mais que maduro.
Trata-se, além disso, de uma bandeira antiga desse agrupamento político – que, honra lhe seja, nunca mostrou timidez ou receio em hasteá-la.
Isto é, e a meu ver – é sempre, evidentemente, a meu ver -, o PS não vai ganhar nos defensores do casamento heterodoxo os votos que vai perder no seu eleitorado tradicional.
(No tempo de António Guterres, o cânone era: social-democracia na economia, liberalismo no funcionamento do sistema político; modelo conservador nos costumes.
Hoje, o modelo é oposto: neoliberal na economia; autoritário na Administração; pseudo-moderno nos costumes.)
Trata-se de uma mudança rápida demais para um povo antigo, sereno e sábio.
E fica por perceber como o PS, que pensava que o tema não estava maduro há uns meses, o descobriu agora no ponto.
Deve ter amadurecido em estufa.
É para o que servimos hoje, que não temos agricultura, nem pecuária, nem pescas.
É tudo de viveiro, de aquacultura ou de estufa.
Até as ideias e os programas.

*Por HENRIQUE RODRIGUES – Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2009-08-08



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...