SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DA HORTA, FAIAL

Cinco séculos na vanguarda do social

Quem chega à ilha do Faial, nos Açores, sente de imediato o cosmopolitismo da cidade da Horta que tem na sua marina um dos locais de referência. Aqui aportam marinheiros de todo o mundo que cruzam o Atlântico em iates ou veleiros. As pinturas que deixam nas paredes e no chão da marina gravam o testemunho da sua estadia e, reza a lenda, que quem não o fizer não chegará ao destino. Terra de passagem desde há muitos séculos, a ilha, designada em algumas cartas náuticas como “Insula de Ventura”, crê-se que tenha sido descoberta na primeira metade do século XV. Cerca de um século depois nasce aquela que é, provavelmente, a instituição mais antiga do Faial: a Santa Casa da Misericórdia da Horta. A data da sua fundação está apontada entre 1520 e 1522, conforme está escrito nos Anais do município. Desde o seu nascimento a instituição também dá apoio às populações das ilhas do Pico, Flores e Corvo, para além do Faial.
Com 120 trabalhadores é, na actualidade, a segunda entidade empregadora da ilha (a primeira é o hospital) e o seu provedor, Eduardo de Sousa, um dos mais antigos a nível nacional.

Por tradição histórica, a terceira idade sempre constituiu o público-alvo da acção da instituição, embora com as diferentes conotações que as infra-estruturas foram adquirindo ao longo dos séculos. Exemplo disso é o antigo Asilo de Mendicidade que, em 1973, viu o seu nome alterado para Lar de São Francisco, visto estar situado junto à Igreja com o mesmo nome e que pertence ao património da IPSS. O próprio Hospital da Horta já esteve a cargo da instituição, até à sua integração na rede nacional hospitalar na década de 70, por decreto governamental.

São sete as valências a que se dedica a instituição: lar de idosos, apoio domiciliário, centro de dia, centro de cuidados geriátricos, centro de actividades ocupacionais, lar residencial para cidadãos com deficiência e uma rede de cinco centros comunitários, onde funcionam os ATL. O Lar de idosos é a valência mais antiga e apoia 50 utentes, todos eles ainda com alguma mobilidade. Zulmira Tavares é educadora social no lar há mais de 10 anos e não tem dúvidas em afirmar que cada vez é maior o número de pessoas que chegam dependentes. “Como existe a valência de apoio domiciliário as pessoas ficam o maior tempo possível em casa e quando chegam cá já vêm muito dependentes e cada vez mais o nosso trabalho se torna invisível”, diz.

Essencialmente, o trabalho consiste na ocupação dos tempos livres através de jogos de estimulação, quer da parte intelectual, quer da parte física, “mas é difícil perceber o alcance do que nós, técnicos, fazemos”, refere.
O apoio domiciliário abrange toda a ilha e chega a 200 idosos, a quem são prestados cuidados de higiene individual, serviços domésticos, serviços de lavandaria e fornecimento de refeições. O sismo de 9 de Julho de 1998, que abalou toda a ilha provocando oito mortos e estragos avultados no parque habitacional, na rede viária, nos sistemas de abastecimento de água, energia eléctrica e telecomunicações, trouxe a necessidade da criação de uma enfermaria de retaguarda que desse apoio aos idosos desalojados. Essa experiência “forçada” transformou-se posteriormente no Centro de Cuidados Geriátricos, a funcionar desde Setembro de 2004 e com capacidade para 53 camas. Uma verdadeira unidade de cuidados continuados em que os funcionários se habituaram a lidar com a morte.

Afonso Pereira está há 15 anos a trabalhar na Santa Casa, mas fica com o coração apertado sempre que lhe pedem para falar do assunto. “Já vi morrer muita gente”, diz, “normalmente não estão lúcidos e eu seguro na mão deles, faço festinhas na cabeça e eles morrem assim, pacificamente e sem medo”, relata o ajudante de lar. Se a memória não lhe falha, já foram mais de meia centena aqueles para quem o seu rosto foi o último antes da morte, mas apesar do número “custa sempre muito habituarmo-nos a isto, tem que se estar bem preparado”. Afonso recorda com a voz trémula a morte de um utente: “um senhor que eu ajudava sempre a dar banho e que fazia questão de no fim me dar uma gorjeta. Eu não aceitava e explicava que era funcionário e que recebia por aquele trabalho, mas mesmo assim ele insistia e dizia que aquele dinheiro era para fosse sempre eu a cuidar dele até ao fim. E assim foi. Essas pessoas marcam-nos e custa-nos muito vê-las partir”, afirma Afonso Pereira. Nas instalações da Misericórdia existe uma capela mortuária, bem como uma capela, onde é celebrada missa diariamente, por vontade dos residentes.

O mesmo sismo levou também à criação do projecto “O Farol”, em parceria com o Governo Regional, que tinha como objectivo apoiar a população sinistrada. Desse projecto nasceu a rede de Centros Comunitários, espalhada por toda a ilha, que oferece uma resposta para a ocupação dos tempos livres a cerca de 200 crianças e jovens. “Com o sismo era preciso criar um local onde os miúdos pudessem estar depois da escola, pois as suas casas tinham sido destruídas e a maioria da população vivia em tendas, o que mais tarde se viria a transformar em ATL”, explica Célia Pereira, secretária-geral da Santa Casa.

Ao direccionar a actividade para os mais jovens começa também a surgir a ideia de fundar uma Escola Profissional, que abre portas em 1998 em instalações provisórias, sendo depois transferida em 2006 para um antigo palacete no centro da cidade, adaptado para o efeito. Mais de 150 alunos frequentam aquele estabelecimento de ensino que é, simultaneamente, a única resposta em termos de formação profissional na ilha e que lecciona cursos em áreas tão diversificadas como a electrónica, o ambiente ou o turismo. “Diversificamos os cursos de acordo com as necessidades da ilha porque se sair mais do que uma turma de alunos por curso é difícil arranjarem colocação no mercado de trabalho”, explica Célia Pereira. A dirigente diz anda que a escolha dos cursos a ministrar é feita após a consulta de uma série de entidades, como o Centro de Emprego, a Câmara Municipal, diversas empresas, para saberem as necessidades reais existentes. Por ano, também mantêm abertos apenas 2 a 3 cursos, uma vez que “não temos candidatos para mais, embora já comecem a vir alguns alunos das ilhas vizinhas (Pico e São Jorge), mas em número muito baixo”.

Outra das apostas da Santa Casa foi a aérea da deficiência. Em 2001 foi criado o Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), “uma necessidade muito grande, uma vez que não havia qualquer resposta na ilha para esta população”. Com capacidade para 24 utentes, o CAO visa essencialmente organizar os serviços de apoio social, reabilitação e inserção da pessoa com deficiência, um trabalho, que segundo Lara Rosa, assistente social a trabalhar no CAO, torna-se “muito necessário”. A técnica refere que ainda “há muitos casos de deficiência que são escondidos pelos familiares e que só chegam tardiamente”. Paralelamente ao CAO foi criado um lar residencial destinado a pessoas com deficiência mental, com capacidade para 10 utentes. “Destina-se àquelas pessoas que não têm retaguarda familiar e neste caso específico damos resposta a todo o arquipélago, uma vez que são quase inexistentes as estruturas preparadas para o efeito”, afirma Célia Pereira.

Com o peso de quase 500 anos a edificar uma obra, a Santa Casa da Misericórdia “navega” agora a velocidade de cruzeiro. “Tivemos dois grandes projectos em mãos, que foram a construção do centro geriátrico e a Escola Profissional, agora estamos numa fase de regularização de dívidas e de estabilização financeira”, afirma a secretária-geral da instituição.

Na mesa, à espera de financiamento fica a recuperação da Igreja de São Francisco, datada do século XVII e que também ficou muito danificada com o sismo de 1998. O projecto já foi aprovado pelo Governo Regional que se compromete a financiar 75 por cento do custo total da obra. Os outros 25 por cento ficam a cargo da Santa Casa que promete “lá chegar”.

 

Data de introdução: 2008-03-09



















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