Crédito e exclusão social na sociedade da abundância – endividamento excessivo

O Comité Económico e Social Europeu decidiu constituir um grupo estudo para elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema acima indicado, este parecer teve um relator português. Irei fazer um resumo do tema em causa, pois trata-se de um assunto que está na ordem do dia e interessa a todos nós portugueses, dado o estado gravíssimo em Portugal do endividamento a nível pessoal, das empresas, dos bancos e do país estando associado, no nosso país, ao aumento da pobreza e à maior desigualdade salarial na Europa.

A dimensão do problema
De acordo com o Relatório do Eurobarómetro de Fevereiro de 2007, cerca de 25% dos cidadãos europeus acham-se em risco de cair na situação de pobreza e 62% crêem que esse risco pode suceder a qualquer um, a qualquer momento da sua vida.
Em termos qualitativos, a pobreza corresponde à ausência ou insuficiência de recursos materiais para a satisfação das necessidades vitais do indivíduo e é a face mais visível da exclusão social, que remete o indivíduo para a periferia da sociedade e alimenta sentimentos de rejeição e auto-exclusão.

A dimensão e os contornos da exclusão social dependem, em cada país, de diversas variáveis como o sistema de segurança social, o comportamento do mercado de trabalho, o funcionamento do sistema de justiça e das redes informais de solidariedade. Os imigrantes, as minorias étnicas, os idosos, as crianças com idade inferior a 15 anos, as pessoas de baixo rendimento e baixa escolaridade, as pessoas com deficiência e os desempregados são dos grupos mais vulneráveis ao risco de pobreza e de exclusão social.

Na generalidade dos países europeus, as tendências de consumo apontam para a perda de importância relativa das despesas em bens alimentares, bebidas e tabaco, vestuário e calçado em detrimento do aumento relativo das despesas com a habitação, transportes e comunicações, serviços de saúde, serviços culturais e outros bens e serviços como os cuidados de saúde, as viagens turísticas e os serviços de hotelaria e restauração.
Esta nova distribuição das despesas familiares tende a reflectir-se no recurso ao crédito. O crédito ao consumo no sentido amplo, que inclui quer a aquisição de bens de consumo, quer da habitação, encontra-se hoje fortemente associado aos novos padrões de consumo e acompanha de perto as suas tendências e oscilações. Assim, o aumento do peso relativo das despesas relacionadas com o conforto da habitação, os transportes ou as viagens representam todas elas aquisições frequentemente realizadas a crédito.

A publicidade intensa e sistemática das instituições financeiras para captação de novos clientes encoraja essa vulgarização. Para além disso, o crédito ao consumo confere status, e facilita a camuflagem do estrato social, ao permitir adoptar um estilo de vida característico de uma classe superior à sua. O crédito e, ainda, para muitas famílias, uma forma corrente de gestão do orçamento familiar (sobretudo, os cartões de crédito), cujos riscos são conhecidos, mas para os quais não há informação suficiente, remédios eficazes, nem estão ainda satisfatoriamente quantificados.
Estas condicionantes de natureza social e cultural são sustentadas também por factores económicos e financeiros, como a forte descida da taxa de juro na última década, a perda de hábitos de poupança, manutenção de taxas de desemprego relativamente baixas e o crescimento económico. A isso acresce a desregulamentação de que foi alvo todo o mercado de crédito a partir de finas da década de 70 e princípios de 80, que provocou uma forte expansão e a multiplicação de entidades que concedem crédito, incluindo algumas que não estão sujeitas às regras de controlo e supervisão financeira, e o aumento da concorrência entre si, com a consequente despersonalização da relação banco/cliente. Todos estes factores conduziram ao endividamento excessivo da sociedade em geral.

As principais causas do endividamento excessivo
Os numerosos estudos sociológicos efectuados nos Estados Membros da EU, identificam, como principais causas de endividamento excessivo, as seguintes:
- desemprego e deterioração das condições laborais
- alterações na estrutura do agregado familiar, como por exemplo, o divórcio ou a morte do cônjuge.
- insucesso do auto-emprego e falência de pequenos negócios familiares a que se prestaram garantias pessoais.
- incentivos excessivos ao consumo e apelos ao crédito fácil, aos jogos de azar e na Bolsa e à promoção do status na publicidade e no marketing.
- aumento das taxas de juro, cujo efeito negativo se faz sentir sobretudo nos créditos de longo prazo, como o crédito à habitação.
- gestão deficiente do orçamento familiar
- ocultação deliberada pelo cliente de informação relevante para as instituições financeiras poderem avaliar a sua solvabilidade,
- recurso excessivo ao cartão de crédito, e a formas de crédito pessoal concedido por sociedades financeiras, com taxas de juro elevadas.
-obtenção de crédito no mercado informal, sobretudo pelas pessoas de baixos rendimentos, a taxas de juro usurárias
- créditos utilizados para pagar outros créditos, criando um efeito ‘bola de neve’

A exclusão social traduz-se, normalmente, na dificuldade ou no impedimento do acesso ao mercado dos serviços financeiros de base, designadamente a abertura de conta à ordem, a posse de meios de pagamento electrónicos, a possibilidade de efectuar transferências bancárias e de contratar seguros de protecção ao crédito.
Esta exclusão financeira abrange, por maioria de razão, o acesso a crédito de baixo custo que possibilite a aquisição de bens e serviços indispensáveis à economia familiar (casa, electrodomésticos, transportes, educação), à criação do auto-emprego e à gestão de um pequeno negócio de base individual ou familiar.

Prevenção e tratamento do endividamento excessivo
Nas medidas de prevenção do endividamento excessivo, destacam-se as seguintes:
- uma informação mais completa e divulgada
- a educação financeira
- a criação ou o alargamento de redes de serviços de aconselhamento financeiro
- incentivos à poupança
- utilização de sistemas de avaliação o risco de crédito dos clientes
- garantia de pensões condignas
- acessibilidade aos seguros essenciais
- crédito social e microcrédito
- crédito responsável
- ficheiros de crédito
- a auto e co-regulação conduzindo a um código de conduta
- prevenção de práticas creditícias abusivas
- fiscalização e controlo da publicidade ao crédito

No que diz respeito aos modelos de tratamento e recuperação de devedores insolventes são usualmente referenciados dois modelos:

O modelo do fresh out (começar de novo), de matriz norte-americana, assenta nos princípios da liquidação imediata do património não isento do devedor e no perdão directo das dívidas não pagas, excepto daquelas que não podem legalmente ser perdoadas.
Este modelo assenta na responsabilidade limitada do devedor, na partilha do risco com os credores e na necessidade de recuperar o mais rapidamente possível o devedor para a actividade económica e para o consumo.

O modelo da reeducação, tem por base a ideia de que o devedor falhou e merece ser ajudado, mas não deve ser exonerado sem mais do seu dever de cumprir com as obrigações. Este modelo assenta na ideia da ‘culpa’ do sobreendividado nem que seja por imprevisão ou mera negligência e desenvolve-se em torno da renegociação da dívida.
Este é o modelo na maioria dos países europeus, incluindo Portugal.

Na falta de uma orientação comunitária, os diversos Estados Membros têm vindo a desenvolver os seus próprios sistemas jurídicos nacionais de prevenção, tratamento, recuperação e acompanhamento dos cidadãos e das famílias em situação de endividamento excessivo.

Este tema tem preocupado o Comité Económico e Social Europeu devido à sua evolução negativa nas últimas décadas e o recente agudizar da situação em termos globais e às consequências sociais do endividamento excessivo em termos de exclusão e de justiça social, decidiu reabrir a discussão pública desta questão com a sociedade civil e as demais instituições comunitárias, com vista à identificação e implementação de medidas, de âmbito comunitário, tendentes à definição exacta, ao controlo e ao tratamento do fenómeno, nos seus vários aspectos, sociais, económicos e jurídicos.

É mesmo sugerido a criação de Observatório Europeu do Endividamento que acompanhe a evolução do fenómeno a nível europeu, que possa funcionar como fórum de diálogo de todos os interessados e proponha, coordene e avalie o impacto de medidas da sua prevenção e contenção.

* Centro Social Paroquial Azambuja

 

Data de introdução: 2008-01-14



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...