CÓNEGO ORLANDO MOTA E COSTA, 1º PRESIDENTE DA UNIÃO DA IPSS

Não precisámos de reivindicar e nunca pedimos favores ao poder

O Cónego Orlando Mota e Costa foi eleito o primeiro presidente da União das Instituições Privadas de Solidariedade Social, no dia 23 de Maio de 1981, numa Assembleia-geral realizada no Centro de Caridade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Porto. Foi presidente da Direcção durante um mandato de três anos. No dia 17 de Novembro de 1984 passou para a liderança da Mesa da Assembleia-geral onde se manteve durante mais um triénio.
Quando era pequeno queria ser médico ou arquitecto, seguindo uma vocação artística que sentia nascer. Acabou por decidir ser padre, sendo ordenado, com 23 anos, por D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto. Trabalhou durante 13 anos nos Organismos de Acção Católica, foi coadjutor e depois assistente diocesano da Juventude Operária Católica e dos Organismos Rurais de Acção Católica.
Foi nomeado pároco de Cedofeita em 1969, onde se mantém e onde desenvolve uma actividade assinalável de recuperação de património e dedicação às artes. É cónego da diocese do Porto, foi presidente da Comissão de Património e Cultura e, actualmente, faz parte do Conselho Económico.
O Cónego Orlando tem 75 anos. Nesta Grande Entrevista ao Solidariedade, recorda esse tempo em que todo o trabalho organizativo estava por fazer e em que era preciso explicar ao poder a vocação das IPSS. Passados mais de 25 anos algumas dificuldades de relacionamento com o Estado ainda se mantêm.

SOLIDARIEDADE – Cónego Orlando foi o primeiro presidente da União das IPSS. Recorda-se em que contexto é que isso aconteceu?
O Congresso das Instituições Particulares de Solidariedade Social realizado no Porto, em meados de 1980 por iniciativa de um grupo de Instituições, foi determinante na necessidade de se criar um Órgão aonde as Instituições se pudessem federar. Conhecer a realidade dos serviços sociais prestados, partilhar experiências e responder às novas carências sociais com serviços mais adequados, eram preocupações comuns. Após um ano, nascia a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social e eu tomava posse como primeiro presidente da Direcção.

Como foram esses primeiros momentos da União?
A adesão foi geral. De todos os Distritos do País. Logo se criaram Direcções Distritais. Tomamos logo consciência do vasto e valioso serviço social que prestamos. O primeiro ano foi vivido num entusiasmo fascinante. Estimulávamo-nos mutuamente. Foi fácil congregar esforços. Todos queriam mais e melhor.

Na organização das IPSS houve um interregno de 75 anos. O I congresso organizou-se em 1905, o II apenas em 1980. O Cónego Orlando está naquele grupo que depois do 25 de Abril resolve agrupar as Instituições… Ainda antes do 25 de Abril. Havia uma ideia a germinar de nos juntarmos e de nos entre ajudarmos para uma melhor condução das instituições de solidariedade social. Não eram só as que estavam ligadas à Igreja. Eram instituições em geral. Nisso tínhamos uma mentalidade muito aberta. Quem se ocupava mais das instituições ligadas à Igreja era a Caritas que tinha também dentro das suas funções coordenar a acção sócio-caritativa da Igreja. Nós sentíamos que era indispensável a associação para uma acção social mais eficiente. Aqui no Porto apareceu um grupo que se preocupou muito com isso.

Recorda-se de algumas pessoas desse grupo?
Claro que sim. O Padre Marinho Cia, da Obra de N.S.ª do Perpétuo Socorro, a Obra de N.S.ª das Candeias, com a Eng.ª Carolina Furtado Martins, as Misericórdias que estavam a estruturar uma mesma união. O grupo que surgiu no Porto era o mais forte e organizado. Da parte das instituições paroquiais estava eu com mais alguns colegas e depois numa Assembleia-geral pediram-me para ficar como presidente.

Foi uma decisão difícil e um desafio exigente…
Ninguém queria assumir uma liderança destas. Nas Misericórdias havia uma liderança natural, mas da parte da IPSS não havia. O grupo era muito homogéneo, davam-se todos muito bem e ninguém se sentia nem preparado nem motivado para a presidência de um movimento que estava no início com a carga de trabalhos que isso implicava. Eu,
praticamente, fui obrigado a aceitar. Foi por eleição, mas fui quase obrigado a aceitar.

Quais eram as grandes problemáticas nessa altura?
A pobreza, a necessidade dos pais trabalharem e obterem apoio na educação dos filhos, os idosos que ficavam desamparados.

A participação das IPSS era grande?
As nossas Assembleias-gerais tinham um carácter formativo, vinham centenas e centenas de pessoas de todo o País. Tínhamos que recorrer a grandes auditórios normalmente no centro do País. Os dirigentes vinham ansiosos por saberem informações. Havia partilha de experiências entre as IPSS. As Assembleias duravam um dia inteiro. Eu como, presidente da Direcção e depois como Presidente da Assembleia-geral era uma espécie de animador.

E a nível estrutural como é que tudo se conseguiu tão rapidamente?
Da parte do Estado também havia um grande interesse de fazer legislação que estruturasse o serviço social. Já organizados e estruturados demos o nosso contributo na legislação que se veio a concretizar no Dec-Lei 119/83 e depois nos vários decretos de aplicação a todas as valências de Serviço Social a crianças, jovens e idosos.

Como é que conseguiam colaboradores ou assessores para todo esse trabalho jurídico?
A nossa sabedoria vinha da experiência. Estávamos no terreno. Pôr esta sabedoria em termos jurídicos, depois era mais fácil. Mas era evidente que tínhamos que consultar peritos. Aonde houve maiores dificuldades foi nos decretos de aplicação às várias valências. As Direcções Gerais não sintonizavam com a nova legislação. Foi um trabalho moroso, difícil, com reuniões frequentes a nível de secretaria de Estado da Segurança Social e das Direcções Gerais.

Pode concretizar algum assunto de maior dificuldade ou alguma reivindicação?
Nunca precisamos de reivindicar e nunca pedimos favores. Procuramos ser compreendidos. Mas recordo, que para fazer entender alguns assuntos, convidei um Director Geral a visitar comigo algumas Instituições e fomos a dois Distritos no Sul do País. Igualmente fiz o mesmo convite ao Secretário de Estado e fomos a outros dois Distritos visitar de surpresa instituições. E chegamos a acordo no que se pretendia.

Até que ponto é que nessa altura já havia a ideia de que deveria ser a sociedade civil a tomar em mãos a solidariedade com o apoio do Estado?
Havia já a ideia de que os particulares faziam melhor e mais barato?
Nessa altura havia. Hoje há menos. A política de Estado vai resvalando cada vez mais no sentido estatizante não dando espaço, nem reconhecendo o valor das instituições civis particulares. Por outro lado, os partidos políticos estão a levar ao extremo a sua função, criando instabilidade nas instituições públicas. De cada vez que um partido ganha tenta mudar tudo: estruturas e pessoas. A acção de solidariedade social não se compadece com esta instabilidade. Quanto a "fazer melhor" penso que está mais vocacionado quem está mais perto e identificado com a Família, com quem vai colaborar e em casos extremos até substituir. São necessários conhecimentos pedagógicos, técnicos e também é necessário proporcionar ambiente familiar, calor humano e laços afectivos. Quanto a "ficar mais barato", está mais que provado. Basta reconhecer que todas as Direcções das Instituições são exercidas por voluntários e quantos mais voluntários são associados. Além do serviço social prestado pelas instituições particulares, soma-se também este: a boa gestão dos dinheiros públicos.

Julga que está em marcha um ataque à igreja católica, numa estratégia de laicização da sociedade?
Não estou preocupado. Percebo esse ataque silencioso e surdo. Silencioso porque não falam fazendo campanhas, mas agem. Surdo porque fazem de conta que não ouvem ou que estavam distraídos, mas de facto não ligam ao que dizemos. No campo social tenho pena que se desaproveitem serviços sociais tão qualificados.

Neste momento há preocupações evidentes, por parte das organizações das instituições, relativamente a este governo. A questão do ATL, os diferendos com a Igreja em diversas matérias, a definição de políticas sociais. Considera que pode haver falta de consideração pelo trabalho de muitos anos das IPSS?
A falta de consideração não afecta nada. Não pretendemos ter instituições mas realizar serviço Social. Se não for por esta via, encontraremos outras formas.

Dar qualidade às instituições foi outra das tarefas fundamentais da União liderada por si…
Certamente, este foi o primeiro objectivo e a grande tarefa dos três primeiros anos da União: dar qualidade às instituições. Tomámos logo a iniciativa de organizar cursos de formação para dirigentes, voluntários e funcionários. Pusemos logo as Direcções Distritais a realizar estas tarefas de formação que a Direcção Nacional orientava e apoiava. Organizaram-se cursos em todo o país, do Algarve a Bragança. Procurámos criar um sentido de exigência e qualidade nas Direcções e Voluntários e incutir nos funcionários sentido de serviço. Foi a maior preocupação dos primeiros tempos e será o melhor serviço de hoje. Nisto é que nos devemos ocupar primariamente: dar formação.

Como avalia esse movimento organizado que foi a União e agora é CNIS?
Creio que a União tem conseguido acompanhar os desafios, projectos e problemas que têm surgido. Tenho uma boa impressão. Ultimamente estou mais distanciado, mas acompanho através da obra social da paróquia de Cedofeita. A CNIS é um sucedâneo normal do que se fazia. È um órgão forte perante o estado e parceiros sociais. No princípio nós começamos a criar as Uniões Distritais que estão agora a ficar mais consolidadas. Demos sempre às Distritais uma grande autonomia e responsabilidade e já tínhamos a ideia de que a União era uma federação das Distritais. A CNIS tem respeitado este espírito. Sinto que não houve mudança de orientação mas de nomenclatura. Estamos em bom caminho.

 

Data de introdução: 2007-11-07



















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