INVÁLIDOS DO COMÉRCIO

O envelhecer como um direito de cidadania

A designação pode eventualmente assumir um carácter depreciativo, mas a filosofia da casa esteve, desde a data da sua criação, um passo à frente da mentalidade da época. Situada em pleno coração da cidade de Lisboa, na freguesia do Lumiar, os Inválidos do Comércio gozam de um espaço único e amplamente cobiçado pelos agentes imobiliários da zona. A Quinta do Outeiro, onde está sedeada a instituição particular de solidariedade social, ocupa cerca de sete hectares, com muitos jardins e espaços verdes e em que menos de dez por cento do espaço é ocupado por instalações. A estrutura principal, a Casa de Repouso Alexandre Ferreira, deve o seu nome ao mentor do projecto, um idealista que conseguiu implementar no final da década de 20 um conceito de lar muito invulgar para a época.

Projectada para acolher os velhos de então e em particular os homens ligados à actividade comercial (comerciantes, guarda-livros, empregados de escritório, empregados de balcão, pracistas, etc.), o lema foi, desde muito cedo, personalizar os cuidados e respeitar a diferença de cada um dos residentes. A história diz que a Quinta foi adquirida por 300 mil Reis e que o conceito foi trazido do norte da Europa por Alexandre Ferreira, muito diferente dos tradicionais albergues existentes na época.

Vítor Damião, actual presidente da IPSS, diz que já na altura os utentes “tinham identificação e eram chamados pelo nome, uma inovação para a época”. A cada um dos utentes era oferecido um sobretudo, considerado então como um bem de luxo, bem como serviço de barbeiro, assistência médica e farmacêutica. Na década de 40, os Inválidos tinham 40 mil sócios espalhados pelo país e foram criados vários núcleos nas principais capitais de distrito. Actualmente a instituição conta com 330 utentes, com uma idade média de 84 anos e 280 funcionários, um número que pode parecer excessivo, mas que encontra justificação, segundo Vítor Damião, na “qualidade e diferenciação dos serviços prestados”. A casa está dividida em dois sectores principais: o regime geral e a ala residencial, sendo esta última com fins lucrativos, de modo a servir como fonte de financiamento.

Isabel Lopes, actual directora técnica, trabalha nos Inválidos do Comércio há 25 anos e conhece cada utente pelo nome. “Aqui, o indivíduo é encarado como um ser único, o que pode parecer estranho tendo em conta que é uma população realmente grande”. A admissão das pessoas está dependente da idade, mas Isabel Lopes refere que não é condição fulcral, uma vez que “o utente é acolhido em função das suas necessidades”, sendo que o mais novo tem 54 anos e o mais velho 100.

A acção principal da instituição desenvolve-se no regime de lar, com uma equipa multidisciplinar composta por enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, fisioterapeutas, médicos que se deslocam diariamente à instituição e um grupo de voluntários.
Os Inválidos também prestam apoio domiciliário a 15 famílias, uma área de intervenção em que foram pioneiros na freguesia onde estão inseridos. Para além destas duas valências, a instituição ainda possui residências assistidas, destinadas a um segmento médio/alto da população e que servem também como resposta às necessidades financeiras diárias. Isabel Lopes garante que não há qualquer distinção entre os utentes e que a “única preocupação é atenuar as perdas e compensá-las com ganhos no processo de envelhecimento de cada um”.

Num passeio pela casa, é fácil perceber-se a diversidade de actividades e serviços que a instituição oferece. A par dos imensos jardins tratados e devidamente equipados com bancos de descanso onde vários idosos fazem caminhadas e conversam à sombra das árvores nos dias de Verão, a pluralidade de espaços marca os Inválidos. Existem várias salas de estar e de convívio, enfermarias, gabinetes de enfermagem e médico, ginásio para a fisioterapia, salas de actividades e de realização de dinâmicas, um serviço de cabeleireiro permanente e muito requisitado pelos utentes, bar, jogos de mesa, etc. Os passeios ao exterior são regulares e as portas da casa estão sempre abertas.

Um grupo de jovens de um colégio da zona (S. João de Brito) também visita regularmente a instituição para estar com os mais velhos. “A ideia partiu de um grupo de professoras que sentem que há a necessidade de colocar os mais novos com os mais velhos porque com a vida urbana essa realidade é cada vez mais difícil de concretizar”, explica Isabel Lopes. A directora técnica refere que o grande desafio dos Inválidos é “preencher o tempo imenso por ocupar que foi ganho pela longevidade” e defende que o envelhecimento “deve ser trabalhado desde muito cedo”. A técnica dá como exemplo o hábito da leitura, que embora seja um bom passatempo, não deve ser único, uma vez que “se pode chegar a uma altura da vida em que já não nos seja possível ler e assim será muito útil se soubermos utilizar outro tipo de habilidades”. A assistente social refere que existem muitas pessoas que acabam por descobrir tardiamente “talentos escondidos”.

O período médio de permanência de um utente na instituição é de cinco anos e meio, mas há pessoas que já lá estão há quase duas décadas. Muitos dos utentes sofrem de demências complexas, o que torna mais complicado o trabalho dos profissionais, mas a preocupação de encarar cada utente como um cidadão de direito é uma constante.

Com uma lista de espera de 1300 pessoas, aproximadamente, os Inválidos do Comércio orgulham-se de marcar a diferença pela individualização dos serviços. Isabel Lopes sintetiza a missão da instituição desta forma: “entendemos que envelhecer é um exercício de cidadania e nós fazemos isso, diariamente”.

 

Data de introdução: 2007-07-07



















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