SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE MACEDO DE CAVALEIROS

Uma empresa com o objectivo do lucro social

Reza a história que, em 1911, D. Joana Alexandrina da Costa, da localidade de Grandissímo, fez uma doação de monta para que em Macedo de Cavaleiros fosse erigido um hospital. Senhora de grande coração, maior caridade, muitas posses e sólida fé apenas exigiu uma contrapartida: Todos os anos deviam entregar-lhe um almude de azeite, aproximadamente 25 litros, que serviria para abastecer as lamparinas que iluminavam a Igreja da povoação da benemérita. O hospital acabou por ser construído e em 1927 justificou a criação da Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros. Passados 80 anos, o provedor Castanheira Pinto faz questão de cumprir o prometido. E todos os anos entrega o azeite na paróquia. A grande diferença, hoje em dia, é que o azeite é produzido pelos empreendimentos agrícolas desenvolvidos pela Santa Casa. Já lá vamos a essa parte da história.

Na tradição das Misericórdias, a de Macedo de Cavaleiros é considerada uma criança. Acabou de fazer 80 anos. Foi fundada em 15 de Março de 1927 com o objectivo de prestar cuidados de saúde aos mais carenciados uma vez que, no ano da fundação, foi-lhe entregue um hospital, construído graças à referida benfeitora Joana Alexandrina da Costa.
A saúde foi desde o início a principal função da instituição social. Em 1975, um ano depois da Revolução do 25 de Abril, hospital e Santa Casa foram nacionalizados. A visão dos que então geriam os destinos da Misericórdia permitiu a sobrevivência. Foi criado um pequeno lar, com oito camas, para justificar a existência de outras valências, para além da saúde, que permitiam impedir o Estado de se apropriar dos bens. Em instalações alugadas e de forma incipiente prestou apoio social durante mais de dez anos. Finalmente, em 1987 foi inaugurado um lar, adequado, de apoio à terceira idade. O que existe ainda hoje.

Alfredo Castanheira Pinto foi o artífice desta sobrevivência em tempo de crise. Chegou à presidência da Misericórdia em 1973 por acaso. Era o chefe dos Serviços Municipalizados da Câmara. “Entrei nisto na altura, com um grupo de amigos. Tentávamos encontrar um provedor para a Misericórdia e acabei por ser eu.”
Assistiu impotente ao desmoronamento forçado da Santa Casa. Conseguiu impedir o encerramento e a nacionalização dos bens, mas viu o hospital passar para a gestão pública. Curiosamente, acabou por ser escolhido mais tarde para ser o responsável da unidade de saúde: “Acabei por ser director do Hospital de Macedo a pedido da Câmara. Passei a ser director e administrador-delegado em 1988, quando o novo hospital foi inaugurado, e estive lá até 1999, altura em que me reformei. Durante todo esse tempo, Castanheira Pinto foi sempre provedor. E continuou. Até agora! Tem 70 anos de idade.

Um projecto arrojado

Na Quinta do Lombo, propriedade agrícola da Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros, há uma lareira acesa mas não está frio. Talvez seja a força do hábito ou o ambiente de fumo necessário para curar os presuntos pendurados. Na banca da cozinha há uns queijos de ovelha acabados de fazer. Maria das Dores não pára. Ela é, designada por Castanheira Pinto, a administradora das propriedades agrícolas da Santa Casa. Tem - leiam bem - 82 anos. Com olhos de criança e atitude de trabalhadora incansável, Maria das Dores lá vai contando que não sabe fazer mais nada. Levanta-se antes do sol e deita-se muito depois dele. “Sabe, muitas vezes é melhor fazer do que mandar!”

A Misericórdia tem propriedades agrícolas em Chacim, Cortiços e no Lombo. “Tudo começou cinco anos depois de ter tomado posse. Tínhamos poucas terras. A grande fatia veio quando as pessoas que tinham usufruto acabaram por morrer. Mantivemos as pessoas que trabalhavam com as usufrutuárias e decidimos tratar das terras e desenvolvê-las.”

O primeiro argumento para esta opção de desenvolvimento pouco típico numa Misericórdia era de cariz social. Castanheira Pinto explica orgulhoso: “Nós não tínhamos vinho para os idosos e, ao mesmo tempo que se pensava na construção do novo lar, fez-se logo uma primeira plantação de um hectare de vinha só a pensar no consumo da Misericórdia. A adega só nasceu depois, entre 1990-93, e representou um esforço de investimento na ordem dos 250 mil euros. Conseguimos a legalização de mais um hectare nos Cortiços a pensar na comercialização com vista a que o rendimento dos vinhos fosse investido na parte social.”

A replantação das vinhas com castas nacionais, como é o caso da trincadeira preta, tinta roriz e touriga nacional; a construção a adega; a contratação de um enólogo; e a criação de uma marca “Quinta do Lombo” que serve para todos os produtos, desde o queijo ao azeite passando pelos diversos vinhos, passaram a ser as tarefas prioritárias a par do serviço social do Lar. Os frutos dos projectos de desenvolvimento agrícola começaram a aparecer. A Santa Casa apresentou-se com os seus vinhos num concurso mundial o Winemasters e conseguiram vários prémios: Três medalhas de ouro, com o Quinta do Lombo 2003, tinto, e o espumante de 2004 e duas medalhas de bronze, para o Quinta do Lombo 2004 e para o Reserva do mesmo ano. O Quinta do Lombo (espumante) foi o único a obter Medalha de Ouro na sua categoria.

Neste momento, o problema fundamental é a comercialização que carece de conhecimentos de mercado e uma postura profissional. “Para já só estamos a mostrar o que temos. Vendemos alguma coisa por esse país fora e fornecemos as Misericórdias da região. O objectivo é desenvolver os nossos vinhos, não em quantidade mas em qualidade. No máximo 60 mil garrafas.”
À excepção das frutas a Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros é auto-suficiente na alimentação dos utentes. Tem cinco hectares de vinha e plantações para mais cinco hectares que estarão a produzir dentro de dois anos. A vinificação foi a grande uma opção estratégica. O resto veio por acréscimo: as compotas, os licores, o azeite, tomate, feijão, pimentos, ervilhas, alface durante todo o ano. Fruto das terras e do trabalho de meia dúzia de contratados da empresa de inserção. “Estamos a pensar constituir mais uma empresa de inserção apesar de termos já uma de produtos hortícolas para consumo próprio com venda dos excedentes. A próxima empresa de inserção será relacionada com os vinhos, com os azeites, as compotas e os licores. Tudo com vista a que o resultado das empresas de inserção seja a favor da parte social do lar.”

O Futuro da Misericórdia

Muito à custa da dinâmica empresarial imprimida, a Santa Casa da Misericórdia tem hoje uma invejável situação económico-financeira. Dá trabalho a 70 pessoas, muitas licenciadas, sendo que perto de metade estão ao abrigo de acordos com o Instituto de Emprego e Formação Profissional.
A obra, situada no centro da cidade, tem-se alastrado como um polvo proporcionando condições agradáveis aos 80 utentes que estão no Lar e mais 10 em Centro de dia. Em situação de Apoio Domiciliário há 90 utentes e a Santa Casa da Misericórdia faz ainda acompanhamento de 141 famílias que beneficiam do Rendimento Social de Inserção. Existe uma lista de mais de 200 pessoas que esperam por uma vaga. Daí a necessidade de construção de outro Lar projectado para a freguesia de Lombo. A candidatura ao PARES já foi apresentada uma vez, um projecto orçado em milhão e meio de euros. Se voltar a ser recusada Castanheira Pinto garante que conseguirá maneira de a construir.

As boas relações com a autarquia local sempre deram uma grande margem de manobra. “Às vezes a câmara serve-se do lar, outras vezes é a Misericórdia que se socorre da autarquia. Entendemo-nos muito bem.”
Apesar dos idosos terem sido sempre a grande preocupação social mais tarde ou mais cedo haverá necessidade de se criarem respostas para a infância e juventude. De resto, a Misericórdia garante que está atenta a novas problemáticas como a droga e a toxicodependência, a pobreza e a imigração. O projecto Trampolim, mais uma vez em consonância com a edilidade, foi criado para desenvolver projectos que combatam fenómenos graves de exclusão. Estão previstos centros de estudos, investigação e intervenção; um Espaço Iniciativa que faz o levantamento concelhio das ONG’s concelhias; um espaço Dinâmica de Atendimento e Intervenção, prestando apoio a 21 famílias do concelho; Pólos de apoio comunitário.

“Gosto do que faço e dei início a muitos projectos que gostaria de ver chegar ao fim. Uma pessoa quanto mais faz mais quer fazer e o tempo vai passando.” É assim que Castanheira Pinto explica a longevidade à frente da Santa Casa. 33 anos é muito tempo, mas o principal problema é o futuro da instituição. Na hora de pensar na saída o provedor procura o perfil do sucessor. Acredita sobretudo no voluntariado e menos no profissionalismo. “Tenho pensado muito na transição. Se não houver alguém que tome conta disto com alma e coração não sei o que poderá suceder. Não há pessoas insubstituíveis mas é preciso encontrar alguém que goste desta obra.”

 

Data de introdução: 2007-04-02



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...