CENTRO JOVEM TEJO, PALMELA

Modo de financiamento é o problema das comunidades terapêuticas

“Obrigado por me ter devolvido o meu filho”. São agradecimentos como este que fazem Elísio Barros, mentor e fundador da Associação Centro Jovem Tejo, continuar o projeto que começou há quase três décadas, apesar das enormes dificuldades, que advêm principalmente na forma de financiamento. Apostar nos afetos tem sido o segredo do sucesso da comunidade terapêutica, que desde 2010 se especializou no tratamento e recuperação de jovens. “É preciso dar-lhes colo, deixá-los falar e ouvi-los”, defende Elísio Barros.
Foi em 1989 que, em resposta a um apelo feito à sociedade civil pelo Governo no decorrer de um seminário, que Elísio Barros, professor e a trabalhar na altura no Instituto de Reabilitação Nacional, decidiu criar uma instituição que respondesse ao consumo de substâncias tóxicas em Portugal.
“Juntei mais de 20 amigos em casa e propus-lhes criar uma instituição cujo objetivo primeiro fosse a prevenção do consumo de substâncias tóxicas e, como segundo, a mais longo prazo a recuperação de pessoas dependentes de substâncias tóxicas”, recorda.
Assim, nasceu em Almada, onde morava na altura, a Associação Centro Jovem Tejo: “Centro porque se queria que fosse um espaço de encontro, Jovem porque se destinava ao trabalho com jovens e Tejo porque a minha casa estava praticamente em cima do rio Tejo, que significa longevidade e beleza”.
Finais dos anos 1980 eram tempos em que o consumo de substâncias estava em crescimento exponencial em Portugal e em que a informação escasseava!
Inicialmente, “o objetivo principal era chegar às escolas e dizer aos professores, aos pais e aos jovens que há alternativas, que não precisam de prejudicar as vidas e que há formas de obter prazer sem se dependência” e, ainda sem sede, o grupo que juntara para fundar a instituição, iniciou a realização de ações informativas em escolas secundárias, com os professores, pessoal auxiliar e alunos, para “passar a mensagem da prevenção do consumo de substâncias”.
Foi assim ao longo de um ano de Amarante a Faro. “A nossa aposta era essencialmente em conversas com pais e professores no sentido de ficarem atentos aos primeiros sinais de consumo”.
Até que numa dessas sessões, “houve uma mãe que no final disse que tinha gostado muito, que a mensagem da prevenção é muito bonita, mas que tinha um filho em casa que estava cheio de dores e não sabia o que lhe fazer”.
Este foi o clique para o passo seguinte e para o que hoje é a comunidade terapêutica «Luís Barros», do Centro Jovem Tejo, na Quinta do Anjo, em Palmela.
Encaminhado o caso para o também recente na altura Centro das Taipas, a primeira instituição oficial de tratamento, “aquilo ficou a mexer” com os responsáveis da Associação.
“Tínhamos que acudir aquelas famílias, porque o Centro das Taipas não chega para tudo. Então, decidimos começar a pensar em como criar uma estrutura de acolhimento, com técnicos, que pudesse de alguma forma minimizar o sofrimento e dar resposta aos pedidos que havia”, recorda Elísio Barros.
Com o apoio do Projeto Vida e com o projeto terapêutico aprovado, faltava um local para o poder desenvolver uma comunidade terapêutica de acolhimento de adultos, dos 18 até aos 50 anos.
Depois de algumas experiências em diversos locais, em Setúbal, no Barreiro e, finalmente na Quinta do Anjo, a postura foi sempre a de que “as drogas não são o problema, o problema são as razões que levam as pessoas a consumir”.
O arranque deu-se com apenas 10 utentes, seguindo o modelo técnico da Organização Mundial de Saúde (modelo bio-psico-social), que implica a presença de técnicos de psiquiatria, psicologia, enfermagem, serviço social e outros.
“Como o número de técnicos era uma carga muito grande para apenas 10 utentes, decidimos que tínhamos que aumentar a capacidade”, passando a instituição, em 1994, para as instalações onde ainda está hoje.
Funcionava como Comunidade Residencial de Estada Prolongada, como se chamava à altura, e paralelamente, tinha uma equipa de rua para troca de seringas, ou seja, manteve uma equipa de prevenção, criou uma equipa de rua para tentar tirar os jovens de lá, ergueu a comunidade terapêutica e passou a ter um apartamento de reinserção no Barreiro.
Foi nestes moldes que até 2010 a instituição funcionou, com uma capacidade de 25 camas, mas com apoio apenas para 21.
“A nossa política sempre foi no sentido de que os quatro utentes fora do apoio não pagam mais nem menos do que os outros. Sendo que muitos nunca pagaram qualquer valor, porque sendo carenciados ou sem-abrigo não tinham como o fazer. Foi sempre a Segurança Social que completou os tais 80% que o Ministério da Saúde nos fazia chegar por via da convenção”, explica Elísio Barros, lamentando: “E ainda é assim até hoje!”.
Mais à frente já se perceberá melhor as razões de lamento do presidente do Centro Jovem Tejo.
Inicialmente, a comunidade terapêutica tinha programas direcionados alcoólicos, mães com filhos, dependentes de heroína e jovens.
“Este programa para jovens era para receber dois a três utentes apenas, mas, há coisa de seis, sete anos, a CPCJ, os tribunais e a própria Segurança Social começaram a pedir-nos camas para internamento de jovens. E concluímos que não era possível compatibilizar o tratamento de adultos com o dos jovens. Por isso, à medida que os adultos foram saindo, deixámos de admitir adultos e especializámo-nos no trabalho com os jovens”, recorda Elísio Barros, que define a instituição como “uma comunidade terapêutica especializada em adolescentes e jovens, com comportamentos aditivos de droga e álcool”.
Recebem jovens oriundos de todo o País, ilhas incluídas, sinalizados pelas CPCJ e encaminhados pelo tribunal.
Esta adaptação acabou, no fundo, por dar uma resposta específica a um problema mais global, mas global é também a grande dificuldade de financiamento que este tipo de instituições tem, em virtude da comparticipação que recebem é por via de uma convenção com o Ministério da Saúde (MS).
“É uma situação que tenho tentado reverter mas que é muito difícil. A maior parte das IPSS têm acordos de cooperação, que dá alguma estabilidade à instituição, mas nós aqui trabalhamos mensalmente e à cabeça. Ou seja, se hoje tiver 20 jovens internados, o MS paga os 20, mas se no mês que vem tiver só 15 só recebemos por 15. Isto obriga-nos a olhar para o corpo técnico e equacionar a dispensa de alguém. Não tendo um acordo de cooperação, dificulta muito as coisas”, explica, acrescentando: “Por exemplo, houve uma altura em que tínhamos apenas sete jovens e uma equipa com um psiquiatra, um enfermeiro e três psicólogos e não tinha dinheiro para lhes pagar, pelo que houve dispensas de pessoal. Um mês e meio depois tinha a casa quase cheia. Isto não cria estabilidade na equipa e nem nos utentes. Este é o principal problema desta casa, porque podendo ocupar 25 camas, era importante ter uma equipa permanente, que pudesse dar continuidade ao que se faz. Isto obriga-nos a fazer contratos de três meses, porque não sabemos se amanhã temos utentes suficientes para assegurar a equipa”.
Para Elísio Barros, “esta instabilidade é o grande problema destas comunidades terapêuticas”, recordando que já por uma vez a Direção reuniu com o encerramento da instituição em cima da mesa.
“Do Ministério da Saúde recebemos 10 mil euros por mês e só em salários são oito mil. Como é que se aguenta uma casa assim?”, questiona.
Depois a instabilidade no corpo técnico também se reflete nos utentes, cuja principal necessidade é o afeto e o carinho.
“A solução para estes jovens está nos afetos, por isso temos as portas abertas e não temos fugas. Eles aqui são tratados como pessoas. Chegam aqui sem regras e sem horários, mas aqui isso não existe. Aqui há uma espécie de conceito de família e ainda de hierarquia. Por exemplo, ninguém começa a comer sem todos estarem servidos, sentados, em silêncio e se desejar bom apetite. E quando chegam a casa são eles próprios que tentam disciplinar as famílias! Ou seja, transportam para casa estes valores e estas normas”.
Segundo Elísio Barros, que é também o diretor-técnico do Centro, “os afetos e as carências afetivas que estes miúdos têm é o que os leva aos consumos, mas são essas mesmas razões que os prendem ao tratamento, porque sentem que têm o que não tinham na família nem nos amigos”.
E se os aspetos técnicos são importantes, fundamental é “trabalhar com muito afeto”, por isso Elísio Barros tem por premissa “pegar-lhes ao colo, falar com eles e ouvi-los”.
E porque, “de uma maneira geral, as famílias amam e não abandonam os seus filhos”, o processo de recuperação destes jovens tem três vértices: “Nós, eles e as famílias. Este triângulo tem que estar sempre em perfeita união e sintonia. Eu não posso decidir nada sobre a vida de um utente sem ouvir a família, tal como a família também não decide nada sem nos ouvir a nós. Apesar destes miúdos estarem sob a minha responsabilidade, decidida pelo tribunal, eu não demito a família, porque quero que ela continue a ser a família, nem admito que ela se demita”.
Atualmente, estão no Centro Jovem Tejo 17 jovens na comunidade terapêutica, cinco no apartamento de reinserção no Barreiro e para já ainda nenhum no apartamento de autonomização, preparado para oito utentes, porque apenas dois jovens estão prontos para o ocupar, mas não é sustentável deslocar um técnico para lá por apenas esse número de utentes.
Para estes jovens internados há um corpo técnico de um psiquiatra, seis monitores e um psicólogo. “É mais ou menos, um colaborador para dois pacientes”, nota o presidente.
Para além do condicionamento financeiro, com constantes saldos negativos e pedidos de empréstimo à banca, a instituição depara-se ainda com outros dois dilemas: “O tempo legal para tratamento, que numa primeira fase são seis meses, findo o qual normalmente é revisto e prolongado por mais seis meses e pode andar assim até à maioridade; e, um problema maior, que advém da nossa convenção com o Ministério da Saúde, que apoia no máximo durante um ano e meio, ou seja, se entra aqui um jovem com 15 até aos 18 são três anos, mas o Ministério só apoia ano e meio. Aqui é preciso que o tribunal volte a decidir que o jovem cá fica e é necessário voltar a pedir apoio ao Ministério”.
Dificilmente até pode chegar e até pode nem ser necessário tanto tempo, mas como diz Elísio Barros, “a encomenda que o Ministério da Saúde faz é que recuperemos o jovem em ano e meio!”.

 

Data de introdução: 2018-01-12



















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