HENRIQUE RODRIGUES

Aux armes, citoyens/Formez vos bataillons

1 - Como escrevia o Eça, era de Paris que nos chegava, pelo Sud-Express, em caixotes de modernidade, a civilização.
A influência francesa no nosso modo de viver e no nosso ambiente cultural acompanhou-nos até há pouco.
No meu tempo de estudante de liceu, era ainda o francês que todos estudávamos como principal língua estrangeira, do 1º ao 5º ano, levando de vencida o inglês, estudado no currículo comum apenas no 2º ciclo: do 3º ao 5º ano.
Conhecíamos, das selectas desses anos de formação escolar, como era o dia-a-dia dos franceses, nas cidades ou nos campos: o que comiam, como vestiam, que valores professavam.
Mesmo a História de França, nos seus traços gerais, nos era familiar: dos francos a Carlos Magno, da cultura monástica às heresias dos Cátaros, na Occitânia (e ao modo como a ortodoxia esmagou essa que foi também a fonte da cultura trovadoresca dos tempos de D. Dinis, em Portugal), do absolutismo real à Revolução de 1789, de Versailles ao Louvre, do Império de Napoleão a Waterloo, da Resistência ao nazismo ao colaboracionismo com o invasor, até mesmo as histórias de Asterix e Obélix, toda essa realidade integra o substracto cultural e a visão do mundo da minha geração.
Foi desse mundo medieval monástico que veio o Conde D. Henrique, fundar os alicerces de Portugal.
Durante a ditadura de Salazar e Caetano, foi para França que se exilou ou fugiu muita da intelectualidade e da Oposição portuguesa, aí acolhida benignamente, o mesmo sucedendo com centenas de milhares de compatriotas nossos, saídos no interior de um Portugal marcado pela pobreza para ir procurar noutras paragens o pão que a Pátria não tinha para eles.
Igualmente foi a França o País que recebeu muitos dos jovens que recusavam partir para a guerra nas colónias e que na tradição liberal de acolhimento francesa encontraram lugar de recuo durante os anos de chumbo das décadas de 60 e 70 do século passado.  
As ideias da Revolução Francesa, resumidas na tríade “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que aboliram o direito divino como fonte de legitimidade do soberano, trocando-o pela soberania do povo, instituindo o sistema representativo e o voto popular, penetraram rapidamente os meios intelectuais portugueses dos fins de setecentos, constituindo fonte da Revolução Liberal de 1820, no Porto, que conduziu, pela vez primeira entre nós, ao sistema constitucional, com a Constituição Liberal de 1822, imposta ao Rei D. João VI, então no Brasil.
Essa impregnação foi de tal monta que, durante as Invasões Francesas – a chamada Guerra Peninsular -, não obstante a resistência popular ao invasor, resistência que acabou por expulsar o exército ocupante, muitas das elites, convertidas ao liberalismo, colaboraram com a tropa francesa, reconstituindo à volta de Junot, na 1ª Invasão, a corte que fugira para o Brasil, como nos conta Raul Brandão, no romance El-Rei Junot.
(Gomes Freire de Andrade, que foi executado por, entre outras, acusação de francesismo, chegou a combater nos exércitos de Napoleão, na guerra contra a Alemanha e na Campanha da Rússia, integrado na Legião Portuguesa, criada por Junot.)
Até no refrão do nosso hino nacional, A Portuguesa – “Às armas, às armas!/Pela Pátria lutar!/Contra os canhões, marchar, marchar!” – ecoam acordes da Marselhesa, como os versos que dão o título a esta crónica.

2 – À hora a que escrevo, conhecem-se já as projecções dos resultados da 2ª volta das eleições presidenciais francesas, com a vitória prevista, com folgada maioria, de Emmanuel Macron.
É um alívio!
Como a história muitas vezes nos mostrou, é muito curta a distância entre a civilização e a barbárie.
E foi essa também a clivagem que marcou o cenário das eleições francesas: gostemos ou não das personagens, a questão era a de escolher entre um modo cosmopolita de pensar e de viver, marcado pela tolerância e pela convicção da diferença como factor de enriquecimento comum, como é próprio das democracias e a essência do projecto europeu – e esse era o lugar de Emmanuel Macron; e um fechamento, um enrolamento para dentro, uma exclusão do outro, um regresso ao “orgulhosamente sós” de Salazar, que é o caldo cultural donde emergem as ditaduras – onde pontuava Marine Le Pen.
A vitória de Emmanuel Macron representa, porém, além do seu mérito intrínseco, uma viragem nos ventos populistas e iliberais que pareciam ter vindo a instalar-se irreversivelmente na parte do mundo que nos é próxima.
Com o resultado do referendo britânico e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, parecia que a irracionalidade tinha tomado conta dos eleitorados, nos países com democracias mais firmes e estabilizadas.  
A eleição de Trump, a que se seguiram os primeiros 100 dias de mandato, num itinerário de gafes e tiques autocráticos penosamente acompanhados pela cobertura imediata, directa e universal que marcam a informação global nos nossos dias, pode até ter tido o efeito de vacina, iniciando a reversão desse caminho até há pouco impensável de consagração pelo voto de quem do voto desdenha.
Por isso, todos fomos franceses, por estes dias …
Quer os que escolheram, quer os que não quiseram escolher, por considerarem ambos os candidatos “farinha do mesmo saco” – como se a democracia liberal e a tolerância pudessem ser confundidas alguma vez com o populismo, a demagogia e o desprezo pelo outro.

3 – Há um outro fenómeno, cuja notícia nos chegou ontem pela imprensa, que será certamente motivo de preocupação na gestão da vida política e na formação do sentido do voto, em diversos países, nos próximos tempos.
Trata-se de verificação de que, também nestas eleições em França, a Rússia teria promovido ataques informáticos à campanha de Emmanuel Macron, colocando nas redes sociais, na véspera das eleições, uma amálgama de falsos factos – os factos alternativos de Donald Trump -, visando denegrir esse candidato, a fim de beneficiar Marine Le Pen.
Como se sabe, o mesmo fenómeno ocorreu nas presidenciais americanas, tendo aí a vítima da ofensiva informática sido Hillary Clinton e o beneficiário Donald Trump.
Essa devassa aos computadores da campanha da senadora e a manipulação da informação e da correspondência pode ter tido influência decisiva no resultado, tendo em conta a escassez dos votos que deram a vitória ao actual Presidente dos Estados Unidos.
Claro que as nossas eleições domésticas não têm os efeitos em outras partes do mundo que têm as eleições na Grã-Bretanha, em França ou nos Estados Unidos – embora, pelos vistos, a nossa “geringonça” seja hoje um “case-study” de ciência política.
Ainda não merecemos, que se saiba, a curiosidade e o empenho dos serviços secretos da Rússia e a sua interferência nas nossas eleições.
Mas sempre gostaria de saber, cá por casa, quando chegar a ocasião, quais forças políticas serão as suas vítimas… e as suas preferências…

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2017-05-11



















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