PADRE ANTÓNIO VAZ PINTO EM ENTREVISTA:

Há problemas graves de exclusão em Portugal

SOLIDARIEDADE - Esta entrevista decorre poucos dias depois dos acontecimentos na praia de Carcavelos, um arrastão que, segundo o ACIME, nunca existiu...
A. VAZ PINTO
- No dia 10 de Junho era feriado, havia muito calor, e houve muita gente que, como é habitual, foi para a praia de Carcavelos, a mais concorrida da Linha. Havia um grupo muito significativo de jovens negros vindos dos bairros periféricos. Terá havido algum conflito entre eles. As pessoas presentes, convenceram-se de que estavam a ser atacadas, alguém chamou a polícia, esta veio, as pessoas entraram em pânico, começando a fugir.
As fotos que temos são das pessoas a fugir, e no dia seguinte surgiu a notícia nos jornais - Gang de 500 pessoas. A própria polícia teve o cuidado de desmentir, que não havia nenhum gang organizado naquela acção, que afinal seriam 30 ou 40 pessoas, houve apenas uma queixa, terá havido um roubo ou outro de telemóveis que, infelizmente, é comum.
Portanto, um arrastão reduz-se a muito pouco, a um pseudo-arrastão. O que é grave é que, logo de imediato, o facto foi muito maltratado por alguns media. Duas televisões, pelo menos, apresentaram vídeos de controle que pertencem apenas à polícia e à CP. São absolutamente secretos, é ilegítimo apresentá-los. Não há direito de o fazer; ainda para mais referem-se a acontecimentos ocorridos bem antes destes factos, e as pessoas ligaram tudo isto.
A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, a que presido, emitiu um comunicado denunciando tudo isto. Enviámos também uma carta oficial ao Presidente da CP, à Alta Autoridade para a Comunicação Social, à polícia, e apresentada uma queixa ao Procurador-Geral da República para que se averigue como é possível que vídeos que pertencem à polícia e à CP possam ser passados nas televisões, violando a legislação em vigor e concretamente a protecção de dados pessoais. 

SOLIDARIEDADE - No seu entender, uma boa política de imigração passa também pelos jornalistas...
A. VAZ PINTO
- Muitíssimo. Felizmente que tem havido uma melhoria muito significativa. Num estudo que o nosso Observatório da Imigração realizou recentemente, verificou-se uma melhoria do tratamento. A semana do pseudo-arrastão teve efeitos muito nefastos, até sobre o turismo. Portugal é um país seguro. As imagens foram publicitadas no mundo inteiro, o que é muito grave. Mas o mais importante é que criou o pânico nas pessoas, uma grande insegurança, e uma onda de racismo e de xenofobia, por mau tratamento das coisas.
Esta situação tem que ser vista, daí a minha carta à AACS. Esta posição não tem quaisquer intuitos censórios, mas pretende uma reflexão sobre o modo como a comunicação social deve noticiar estes casos, para que não se possam tirar ilações absolutamente precipitadas. Tanto mais quanto estudos recentes e independentes mostram que, efectivamente, a criminalidade de imigrantes e portugueses, quando comparados devidamente, é a mesma.
Por último, que estes factos sirvam de alerta para toda a sociedade portuguesa perceber que há problemas de exclusão gravíssimos, muitos deles centrados nas periferias das grandes cidades, concretamente Lisboa, e que exigem a intervenção das autoridades locais e centrais. Este assunto tem que ser visto de frente. Muitos dos miúdos que vivem ali vivem problemas de desemprego dos seus pais, não têm um local para passar o dia, não há jardins-escola em número suficiente para os receber, são filhos da rua, estão em situações de desemprego e, portanto, pela marginalização e não pela cor, são potenciais delinquentes. 

SOLIDARIEDADE - Receia algum extremar de posições, atendendo, por exemplo, à manifestação que se seguiu aos acontecimentos de Carcavelos?
A. VAZ PINTO
- Não. Discordo até dos que defendem que tais manifestações se devem proibir. Não sou dessa opinião. Acho que não devem ser feitos mártires. O povo português, na sua grande maioria, não é racista nem xenófobo. A manifestação cumpriu os requisitos legais, razão pela qual acho que o Governador Civil de Lisboa fez muito bem em a autorizar. Por outro lado, os partidos que parece terem estado por detrás desta manifestação, têm uma expressão eleitoral diminuta e caricata.
Não creio, de maneira nenhuma, que estejamos a caminhar para um aumento destas manifestações. E fico muito contente por a polícia poder dizer que este tipo de criminalidade que, muitas vezes, justifica, entre aspas, essas manifestações, tem estado a diminuir.
Deixe-me dizer-lhe mais: as leis não podem fazer tudo. Importa que se avance para uma política de proximidade, de conhecimento directo das pessoas, das suas situações.
Isto pode, por vezes, ligar-se à situação complicada que o país está a viver. Uma das coisas que pode acender o rastilho da xenofobia e do racismo é a ideia de que os imigrantes vêm tirar o emprego, que é uma coisa muito sagrada para todos nós. Os estudos feitos em Portugal e fora de Portugal, mostram bem que a presença dos imigrantes não se relaciona com o desemprego. E que os imigrantes vêm fazer o que os portugueses não querem ou não sabem fazer.
Não há razão para ter medo. Agora, é evidente que o Estado não pode ser um estado-banana. Onde haja delinquência, tem que a atacar, sejam quais forem as circunstâncias, e a cor da pele dos delinquentes. A segurança e a tranquilidade têm que ser asseguradas. 

SOLIDARIEDADE - A esquerda é mais sensível aos problemas da imigração e do racismo que a direita?
A. VAZ PINTO
- Neste campo não gosto de fazer essa distinção. Conheço imensas pessoas de direita e do CDS, que são profundamente acolhedoras e abertíssimas em relação aos imigrantes. E conheço também pessoas de esquerda que são absolutamente contra. Estive em contacto, ao longo destes anos, com dirigentes de todos os partidos, organizações e tendências, e não posso fazer essa leitura apressada. 

SOLIDARIEDADE - Também em relação ao Dr. Paulo Portas...
A. VAZ PINTO
- O Dr. Paulo Portas fez afirmações com as quais eu não concordo, mas não as vejo como racistas. E há muita gente do CDS, sei-o bem, que discorda completamente dessas posições. 

SOLIDARIEDADE - Vêm aí alterações à lei da nacionalidade. Positivas, no seu entender? O ACIME foi auscultado pelo governo sobre esta matéria?
A. VAZ PINTO
-Há o reconhecimento de que a actual lei da nacionalidade não serve. Há situações para as quais temos que olhar, e que se ligam com a marginalidade, muitas delas. Veja o problema muito complicado dos filhos de imigrantes que estão cá, muitos deles nasceram cá, que nunca foram à sua terra e a quem não é reconhecida a nacionalidade portuguesa. Isso é atirá-los para a marginalidade. Uma pessoa precisa de ter uma identidade. Esta problemática, e muito bem, foi deslocada do Ministério da Administração Interna para o Ministério da Justiça, o que tem toda a lógica. O Alto Comissariado, como não podia deixar de ser, tem dado o seu contributo para uma lei mais justa, ao mesmo tempo uma lei séria, sem facilitismos. Tal como já afirmou o Senhor Ministro da Presidência, será uma lei ousada, mas sensata, e que vai melhorar muito a situação. 

SOLIDARIEDADE - Ousada em...
A. VAZ PINTO
- Ousada nas medidas que propõe, mas, como deve calcular, não é da minha competência. É da competência do governo, mas aquilo que conheço do projecto é francamente positivo. 

SOLIDARIEDADE - Que outros problemas o preocupam, enquanto Alto Comissário?
A. VAZ PINTO
- São vários. A agilização dos processos burocráticos para permitir que sejam definitivamente resolvidos os problemas de cerca de 53 mil pessoas que se pré-registaram para poderem adquirir uma situação legal, e mais cerca de 30 mil, do chamado "processo Lula". São 80 mil pessoas que têm base legal para poderem ser reconhecidas mas, por dificuldades burocráticas, um conjunto de exigências muito grandes, o processo afunila-se, não resolvendo os problemas. Sei que vai ser agilizado, vai ser francamente melhorado, e não tardará muito que tal aconteça. 

SOLIDARIEDADE - Esta agilização passa por...
A. VAZ PINTO
- Pela alteração de alguns aspectos da chamada lei da imigração. Conseguir que, muito mais facilmente, as provas devidas possam ser feitas e as pessoas possam, muito mais rapidamente, adquirir o seu título de legitimidade. 

SOLIDARIEDADE - Nota que há, agora, mais vontade política para resolver esta situação?
A. VAZ PINTO
- Há uma clara vontade política de os resolver. Outro aspecto importante consiste na facilitação do reconhecimento de competências e de habilitações, muito moroso, muito difícil, muito complicado. Depois, há que referir o relatório de oportunidades de emprego, que serve de base à atribuição de quotas para novos imigrantes. O ano passado, o anterior governo estabeleceu um número final de 8.500 novos imigrantes que poderiam, nos seus países de origem, tratar do processo para entrarem legalmente em Portugal. Destes 8.500 postos possíveis, não chegam a 200 os que foram atribuídos. E porquê? Pelas dificuldades burocráticas, pela rigidez do sistema. É de tal modo rígido que origina duas coisas: os patrões deixam de se interessar porque não podem estar à espera seis ou nove meses; e as pessoas que querem vir enveredam, muitas vezes, pela entrada clandestina porque a legal está extremamente dificultada.
Preocupa-me muito a exploração, sobretudo de ilegais, que se encontram muito mais fragilizados.
Quero ainda referir as atitudes de discriminação, que também acontecem, seja nos locais de trabalho ou noutros espaços. A melhoria da língua, porque é muito importante para a integração e para o acolhimento. Algumas prestações sociais que são devidas e que não estão reconhecidas aos detentores de autorizações de permanência. E também a facilitação do reagrupamento familiar, sem o qual não teremos uma imigração estável, acolhida e integrada.
Gostava de deixar uma nota de esperança. Todas estas questões são do conhecimento do actual governo, e há uma vontade política e prática - já com várias reuniões realizadas -, para que todos estes pontos sejam suplantados, melhorados. Julgo que vamos ter uma política mais coesa e mais humana. 

SOLIDARIEDADE - Um ênfase maior no lado humano da questão, e não nas preocupações de segurança...
A. VAZ PINTO
- Exactamente. Ainda recentemente o Senhor Ministro da Presidência, no Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, declarou expressamente que é preciso haver segurança, mas que a qualidade de uma política de imigração se pode avaliar pelo seu tónus mais ou menos securitário. Ele entende que esta política não é securitária, é uma política de acolhimento e de integração e não uma política que vê a imigração como um problema policial. 

SOLIDARIEDADE - O lead deve fundar-se no combate ao racismo e à xenofobia, ou no fomento da diversidade cultural?
A. VAZ PINTO
- No fomento da diversidade cultural. Eu acredito pouco em campanhas negativas, seja para o que for. Dar a conhecer, pela positiva, informar melhor, fazer cair os esterotipos, revelar as coisas boas e positivas que há. 

SOLIDARIEDADE - O papel das IPSS neste capítulo...
A. VAZ PINTO
- O papel da sociedade civil, o papel das IPSS, da Igreja, e de tantas outras organizações, é importantíssimo. Foram elas que avançaram com diversas iniciativas em primeira mão, um conjunto de iniciativas admirável, seja no ensino da língua, seja nas acções urgentes de carência absoluta, de capacidade de integração. Vou dar-lhe um exemplo curioso. Eu sou padre da Igreja Católica, sou Superior da Residência do Porto da Companhia de Jesus. Um padre ortodoxo, que se instala em minha casa, que ali dorme, que tem chave, de quinze em quinze dias, na minha própria casa, tem o seu culto ortodoxo. Conheço muitos casos destes. As diversas dioceses têm sido formidáveis, têm posto os seus templos ao serviço de outras comunidades, tem sido um exemplo notável. E vou ter no Verão outro padre russo que vem para minha casa instalar-se e viver connosco para aprender a língua portuguesa e poder ajudar os seus conterrâneos. 

SOLIDARIEDADE - Há minorias e minorias...?
A. VAZ PINTO
- Há minorias e minorias. Há diferenças muito reais. Por exemplo, entre um brasileiro, com uma tradição cultural muito próxima da nossa, falando a mesma língua, e um ucraniano que, embora sendo europeu, é da outra ponta da Europa. A maior parte dos europeus de leste tem uma formação superior até aos próprios portugueses; já a imigração brasileira é muito diversificada, pessoas com formação superior e outras com habilitações literárias diminutas. A média da formação africana é inferior. Há a imigração chinesa, muito especial, fechada sobre si própria, criando muito poucas complicações, vivem muito autonomamente. São realidades distintas. 

SOLIDARIEDADE - Qual a minoria mais difícil?
A. VAZ PINTO
- A comunidade cigana. É curioso, porque são portugueses, estão cá há quinhentos anos, mas o processo de interacção entre a comunidade não-
-cigana e cigana é muito complexo. 

SOLIDARIEDADE - Tem a ver mais com eles, com os ciganos?
A. VAZ PINTO
- Com ambas as partes. Não há culpados de um só dos lados. Como se sabe, estou a terminar o meu mandato. Uma das coisas que tratarei de chamar à atenção de quem me suceder tem a ver com um cuidado muito grande e um trabalho muito de fundo e muito paciente, trabalho que temos estado a fazer, mas que precisa de ser potenciado e melhorado em muitas vertentes.

 

Data de introdução: 2005-08-06



















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