ECONOMIA SOCIAL

Confederar ou não, eis a questão

A CASES e o Instituto Nacional de Estatística (INE) apresentaram a Conta Satélite da Economia Social 2013, dando o mote para o primeiro ato do Congresso Nacional de Economia Social.
Esta primeira Sessão Temática – intitulada «A caracterização da Economia Social em Portugal: ‘A Conta Satélite da Economia Social 2013’» – reuniu no salão nobre do INE, em Lisboa, as principais famílias que compõem o Terceiro Setor e ainda alguns membros do Governo, com destaque para o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José Vieira da Silva.
Na abertura da sessão, depois relevar a importância do encontro e de elogiar “a continuidade” do projeto de elaboração da Conta Satélite da Economia Social (CSES), que conheceu agora a segunda edição, o governante recordou uma ideia que já veiculara noutros fóruns e que, no seu entender, são os “dois grandes desafios” do setor: o ser um conjunto de atividades “com muita diversidade e um escasso nível de interação” e ainda “o escasso reconhecimento público do setor”.
É também nesta perspetiva e fruto destas preocupações que surge a ideia do Congresso Nacional de Economia Social, nascida no seio do Conselho Nacional para a Economia Social (CNES) e lançada publicamente em Maio de 2016 aquando da realização do Fórum Debate «Portugal Economia Social», que decorreu na FIL, em Lisboa, e que no salão nobre do INE teve a primeira sessão temática. Mais três se seguirão até à sessão plenária a realizar em novembro do corrente ano.
Porém, os objetivos a alcançar com o Congresso não reúnem consenso entre as diversas famílias do Terceiro Setor, pois se é intenção de todos aprofundar o diálogo e incrementar a interação entre elas, já a ideia de que este seja o momento fundador de uma estrutura que congregue toda a Economia Social não recolhe a concordância de todas as organizações.
Francisco Silva, presidente do Grupo de Trabalho para o Congresso Nacional de Economia Social, foi bem explícito no encerramento da primeira sessão temática, afirmando que “2017 será o ano de afirmação da Economia Social”, pelas “cinco grandes realizações” a concretizar e cuja primeira consistiu na apresentação da CSES 2013.
“Foram aqui lançados alguns desafios, uns implícitos e outros explícitos, mas o que paira no ar é a criação de uma confederação das organizações da Economia Social”, defendeu Francisco Silva, considerando ainda: “Para nós, esta é uma questão de grande relevância, porque a confederação fará a representação externa, a representação institucional, fará a participação na discussão das grandes políticas e, fundamentalmente, na discussão da nova geração de fundos comunitários”.
No entanto, para o representante da CNIS, mais importante é valorizar o setor e aprofundar o diálogo entre as diferentes famílias, sabendo-se que a CNIS defende que, pelo peso que o Setor Social Solidário tem no todo da Economia Social, o papel dele deve ser valorado e alvo de “tratamento diferenciado”.
“A CNIS está profundamente empenhada no sentido de colaborar para que este Congresso seja, de facto, um sucesso e não seja um momento que acabe em unificação, mas que seja algo que faça a promoção das várias famílias da Economia Social”, afirmou José Leirião.
Aliás, muitos dos representantes dessas famílias sublinharam que não se deve caminhar no sentido da “unicidade”, pois como também defendeu o ministro do Trabalho: “A diversidade, mais do que uma fragilidade, deve ser encarada como uma potencialidade e não nos deve tolher para encontrar as proximidades entre estas entidades tão diversas”.
As próximas sessões temáticas, que antecederão a sessão plenária do Congresso Nacional de Economia Social a realizar em novembro, estão já calendarizadas: 18 de abril na Póvoa de Varzim (Agros); 2 de junho em Mangualde; e setembro em Évora.
“Sendo um tema abrangente a todas as famílias, a apresentação da Conta Satélite 2013 integra-se nesse todo que é o Congresso”, disse Eduardo Graça, que sublinhou ser propósito do evento “reforçar o setor da Economia Social do ponto de vista institucional, legal e organizativo”, “promover e aprofundar o debate alargado a temas relevantes para a Economia Social” e, ainda, “formular um conjunto de recomendações que, no respeito pela diversidade, reforcem o papel da Economia Social”.

AQUÉM DAS EXPECTATIVAS

Depois da introdução histórica «De onde vem a Economia Social?», a cargo de Álvaro Garrido, Cristina Ramos, do INE, e Isabel Castro, da CASES - Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, apresentaram a Conta Satélite da Economia Social 2013.
A distância temporal entre o ano a que a CSES respeita, 2013, e a data de apresentação, 2017, foi justificada por Alda de Caetano Carvalho, presidente do INE, com “a grande ambição de detalhe” e a “muita informação” e ainda a “impossibilidade de afetar mais recursos” por parte das duas entidades.
Evidente ao longo da apresentação foi a crescente importância da Economia Social na Economia Nacional, quando comparadas as duas CSES (2010 e 2013). Assim, se o peso do VAB (Valor Acrescentado Bruto) da Economia Social na Economia Nacional se mantém (2,8%), já o peso das remunerações e do emprego remunerado é agora mais elevado, tal como o peso do investimento, ao passo que é mais baixo em termos de subsídios e transferências do Estado. Acresce aqui que, tendo havido um forte decréscimo no investimento nos anos entre 2010 e 2013, anos de crise intensa, a Economia Social reforçou esse valor durante esse período de tempo. Por outro lado, se 94,5% do VAB da Economia Social se destina a remunerações (percentagem muito inferior à do conjunto da Economia, que é de 50,9%), a CSES constata ainda uma remuneração média bastante inferior à das sociedades financeiras e das administrações públicas, por exemplo.
Para Cristina Ramos, o facto de a(s) Conta(s) Satélite(s) reportar(em) a ano(s) de crise acentuada releva ainda mais a importância da Economia Social, que “foi, de facto, uma almofada” para Portugal.
Apresentando-se como um instrumento essencial ao melhor e maior conhecimento e reconhecimento da Economia Social, a CSES 2013 recolheu elogios de todos os presentes, mas não deixou de ser alvo de alguns reparos, fundamentalmente por não especificar determinadas informações que as diversas organizações presentes pretendiam ver valorizadas.
Na mesa redonda subordinada ao tema «Caracterização do setor da Economia Social e a importância da informação estatística», que teve moderação de Jorge de Sá e reuniu representantes das organizações do Terceiro Setor representados no CNES – CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade), Confecoop (Confederação Cooperativa Portuguesa), Confagri (Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola em Portugal), CPCCRD (Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto), UMP (União das Misericórdias Portuguesas), UMP (União das Mutualidades Portuguesas), CPF (Centro Português de Fundações) e Animar (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local) – ficou patente a frustração de alguns pelo conteúdo pouco pormenorizado da CSES 2013.
Mesmo assim, todos foram unânimes no reconhecimento da grande importância do documento, sublinhando a sua relevância para o setor, em particular, e para a sociedade, em geral.
“Parece que estamos numa competição dentro da Economia Social, mas é esta diversidade que acrescenta peso ao setor”, começou por dizer Rogério Cação, da Confecoop, acrescentando: “Devemos aproveitar a Conta Satélite para unir não as famílias, mas o bairro das famílias da Economia Social. Há a necessidade de discutir os diferentes conceitos para todos falarmos a mesma linguagem”.
E aqui talvez resida a principal idiossincrasia do Terceiro Setor, já referenciada pelo ministro Vieira da Silva e que Eduardo Graça, presidente da CASES, reforçou, designando a Economia Social como “uma nebulosa de famílias próximas pelos princípios e valores comuns, mas distantes entre si no debate e na ação, assim como na relação com o poder público”.
A diversidade de famílias que integram a Economia Social, em que, a título de exemplo, o objeto de ação é, por vezes, tão díspar como a cultura e a saúde ou a ação social e a agricultura, dificulta, se não inviabiliza mesmo, a confederação entre todas elas.
Pelo menos assim tem sido ao longo de anos e dificilmente será num passe de mágica que, em menos de um ano, essa união será realidade. Logo se verá.
“É importante sabermos a importância de todos e de cada um, até porque o crescimento económico necessita da Economia Social”, afirmou José Leirião, da CNIS, lamentando o facto de “o Setor Social Solidário não estar explícito” no estudo realizado pela CASES e pelo INE.
“Esta Conta Satélite não responde ao Setor Social Solidário. As instituições estão incluídas numa rubrica que são as Associações Com Fins Altruísticos (ACFA) que está muito longe e diz pouco ou nada do que é o Setor Social Solidário”, referiu o dirigente da CNIS, sublinhando: “Temos que insistir para que a Conta Satélite reflita, de uma forma clara, a importância do Setor Social Solidário, em termos estatísticos, importância relativa, as instituições, o valor, o VAB, sendo que é um setor fácil identificar pois a fonte é a Segurança Social. Basta ver quais as instituições que têm protocolos de cooperação e daí retirar os números de pessoas, valores, respostas, emprego, etc.”.
Para além da esmagadora maioria das IPSS, a rubrica ACFA (Associações Com Fins Altruísticos) inclui também, por exemplo, as Associações de Pais, as Associações de Moradores ou as Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, estas últimas que, apesar de serem de longe a estrutura organizativa mais numerosa da Economia Social, apresentam valores baixos em termos de VAB ou remunerações.
Isso mesmo foi constatado no debate pelo representante da CPCCRD, António Flor: “As coletividades são metade da Economia Social, mas é preciso aprofundar o estudo e conhecer melhor esta família, porque, por exemplo, atribuem-nos um baixo VAB, mas, se calhar, é porque temos uma média de 10 voluntários para cada trabalhador. Por isso, importa conhecer melhor esta realidade”.
Ao classificar as unidades institucionais pelo modelo organizativo – ACFA, SCA (Subsetores Comunitário e Autogestionário), Misericórdias, Cooperativas, Fundações, Associações Mutualistas –, a Conta Satélite agrupa entidades tão diferentes como, por exemplo, Associações de Solidariedade Social, Associações de Pais e Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, no caso na rubrica ACFA.
Ora, acresce que, por exemplo, o estatuto de IPSS é transversal a todos os grupos de unidades institucionais, ou seja, em praticamente todos as classificações da CSES há Instituições Particulares de Solidariedade Social, não estando especificado o seu real peso no todo da Economia Social, nem tampouco qual o peso de todo o Setor Social Solidário.
Mesmo assim, através da CSES 2013, fica a saber-se que as 5.584 IPSS («apenas» 9,1% do universo de entidades da Economia Social) representam um VAB de 1.807 milhões de euros (43%), em termos de remunerações 1.753 milhões de euros (44,1%) e de emprego remunerado (contabilizado em Equivalente a Trabalho Completo) de 130.476 ETC (60,4%).
Depois, bastante significativo é o facto de, a nível das principais atividades, a Ação e Segurança Social pesar na Economia Social em termos de unidades 15,6% (9.539), de VAB 44,7% (1.879) e de emprego remunerado 54,6% (118.008 ETC).
Ora, a presença das IPSS nas diversas rubricas impede um apuramento efetivo e objetivo do valor e importância do Setor Social Solidário no «caldeirão» da Economia Social.
“A família das Fundações é muito heterogénea e a Conta Satélite não elucida porque não tem dados muito precisos”, lamentou Ana Maria Lima, da CPF, enquanto Carla Silva, da União das Mutualidades, preferiu realçar o facto de a CSES ser uma ferramenta para o setor “deixar de ser olhado como o parente pobre”.
Marco Domingues, da Animar, começou por dizer que a entidade que preside se revê no conjunto de dados que integram a CSES 2013, mostrando disponibilidade “para trabalhar em outros indicadores de nível micro que possam traduzir melhor o que é o desenvolvimento local”, ao passo que José Rabaça considerou que, sobre as Misericórdias, que ali representava, “os dados estão completamente desatualizados”, principalmente por via dos hospitais devolvidos pelo Estado e das unidades de Cuidados Continuados entretanto abertas.
Apesar de algumas críticas, a CSES 2013 é um documento que demonstra de forma inequívoca a importância da Economia Social na sociedade e o seu peso na Economia Nacional, impulsionando, assim, o reconhecimento público do setor, que, como referiu o ministro Vieira da Silva, é “hoje uma realidade”.
Porém, “apesar dos progressos, há necessidade de aprofundar as estratégias e a reflexão em torno dos conceitos”, sustentou o ministro, lembrando que “permanecem fronteiras difusas e frágeis para a afirmação do setor” que, apesar de haver “quem fique nervoso”, avançou designando como “setor da Economia Social e Solidária”.
E, nesse sentido, Vieira da Silva defendeu que “realizar o Congresso é um passo decisivo e um passo de afirmação do setor”, porém alertou: “Se estes dados e o Congresso não produzirem mudanças, então, não serão relevantes. É preciso gerar representação autónoma do setor e esta CSES é uma ferramenta para o Congresso. É com os olhos no futuro que devemos olhar para a Economia Social”.
Mensagem positiva do ministro, no fim da intervenção, para um setor importante e relevante no País, com os principais atores a reclamarem em uníssono um maior aprofundamento do debate e da interação entre si, mas nem todos cientes de que a confederação de todas as organizações seja o caminho a tomar, pelo menos, até novembro.
De assinalar ainda a presença do padre Vítor Melícias na sessão, ele que é o presidente da Mesa do Congresso Nacional de Economia Social e que, no final, se mostrou bastante agradado com o dia de trabalho realizado no salão nobre do INE.
A CSES 2013 foi comentada no SOLIDARIEDADE pelo padre Lino Maia, presidente da CNIS, no Editorial de janeiro 2017.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2017-02-21



















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