«SPECIAL SKI»

Esquiar a Serra da Estrela rumo à inclusão

“Professor, eu vou ver como é e só depois digo se faço”, asseverava, temerosa, a jovem ao docente que acompanhava um dos grupos que se reuniu no Ski Parque, em Manteigas, para uma aula de iniciação ao esqui. Mas, diga-se, que esta foi uma exceção no entusiamo, expectativa e ansiedade que vivia o conjunto de 30 pessoas com deficiência intelectual que participou no «Special Ski», promovido pela Afacidase (Associação de Familiares e Amigos do Cidadão com Dificuldades de Adaptação da Serra da Estrela), com a colaboração do projeto «Ski4All».
Os sorrisos saltavam de uns rostos para os outros entre os jovens e menos jovens que, na maioria dos casos, fazia a sua estreia de esquis nos pés. Sim, porque se havia alguns participantes com 12, 13 anos, outros já ultrapassavam os 60 anos. Era um grupo misto, de diferentes idades, mas composto por gente entusiasmada e feliz com o momento.
Refira-se que, após os primeiros exercícios, a jovem que ainda no percurso para a pista dava conta ao professor dos seus receios, já se mostrava tão ou mais entusiasmada que os demais.
O grupo de 30 utentes das oito IPSS da região da Serra da Estrela e ainda do agrupamento de Escolas de Manteigas, orientados pelos monitores do «Ski4All», realizaram uma aula de iniciação, tal qual as aulas de iniciação que é dada a qualquer pessoa.
Começa-se por exercícios sem esquis, para que haja uma melhor adaptação às botas e de aquecimento muscular, seguiu-se uma série de exercícios apenas com um esqui e finalmente, com os dois esquis nos pés, descer a pista. Pista, naquele dia, sem qualquer neve – estava muito frio, mas nada de neve –, mas que permite a prática de esqui na mesma.
E bem, aí a festa atingiu o ponto alto. E nem as quedas eram motivo para esmorecimentos, amuos ou desistências. Cada queda era um momento festivo, com todos a baterem os bastões, por incitamento dos monitores. A alegria sentia-se no ar e todos queriam ir mais uma vez.
Quem ao longe visse o que se passava, dificilmente diria que se tratavam de pessoas com deficiência intelectual, tais eram as performances dos estreantes aprendizes de esquiador e tal era a alegria e o divertimento do grupo.
“Gostei muito desta atividade. Já cá estive uma vez, mas foi a fazer slide. Hoje foi ótimo”, disse, ao Solidariedade, Álvaro Rojão, 63 anos, utente da CERCIGuarda, sentimento tem expresso, por Sónia Antunes, utente da Afacidase: “Gosto muito de fazer desporto. Já tinha experimentado o ski e hoje foi muito bom, diverti-me bastante”.
Para o técnico de Desporto da APPACDM da Covilhã, João Neto, “estas atividades são importantes a nível motor, mas a parte de motivação e autoestima é fundamental”, lembrando: “Hoje olhava-se para as caras deles e eles estavam felizes, caíam e levantavam-se e tentavam fazer melhor”.
João Neto, que também integra o Special Olympics Portugal, sublinha a importância para os utentes dos novos desafios que lhes são propostos: “Eles percebem que conseguem ultrapassar barreiras e que, apesar de serem diferentes, também conseguem fazer as coisas. As outras pessoas por vezes ficam muito admiradas porque eles conseguem fazer coisas que as pessoas pensam que eles não conseguem. Por exemplo, hoje houve alguns que conseguiram descer a pista de forma que outras pessoas que não têm deficiência não se atreveriam”.
Os benefícios da prática desportiva para esta população são o que levou a Afacidase a promover este «Special Ski», “desde logo, porque os jovens têm oportunidade de aceder à prática desportiva de uma modalidade de inverno, até então, desconhecida para eles”, refere Maria José Garcez, presidente da instituição de Manteigas, que acrescenta: “Por outro lado, à semelhança de outras práticas desportivas, o esqui contribui positivamente para os jovens apreenderem novos conceitos e técnicas e, em suma, aprendizagens que irão contribuir para reforçar a sua autoestima e bem-estar físico, psíquico e social”.
As mais-valias da prática desportiva e do convívio com os seus pares de outras instituições é bastante importante para estas pessoas, como lembra a líder da Afacidase.
“Os jovens tornam-se mais autónomos, independentes, seguros de si e mais felizes por conseguirem realizações que, à primeira vista, poderiam parecer impossíveis aos olhos da maioria das pessoas ditas normais”, explica, afirmando: “A palavra que assoma mais rapidamente ao meu espírito quando pessoas com deficiência são confrontadas com atividades, mais ou menos, radicais e que implicam perícia, é coragem. Estes jovens avançam com grande determinação e abraçam estes novos desafios com enorme vontade e alegria”.
Isto é confirmado por João Neto, que lembra que “eles têm grande motivação e, normalmente, perguntam se há mais atividades”.
E, de facto, alegria e entusiasmo era o que se via e foi o que se viu durante todo o tempo que a experiência durou, logo desde o momento de vestir os fatos e calçar as botas especiais.
“Isto tem uma importância fulcral, porque desenvolve muitas faculdades a nível de coordenação motora, equilíbrio dinâmico e estático, e é atividade para a qual estão sempre aptos e prontos a desenvolver. Para nós é uma grande satisfação vê-los empenhados nestas atividades”, diz António Gomes, docente do Agrupamento de Escolas de Manteigas, e que levou quatro alunos com necessidades educativas especiais, realçando: “Isto vai refletir-se na parte pedagógica, porque ao desenvolverem a parte do equilíbrio ficam mais relaxados e nas aulas, em que eles têm que ficar 60% do horário em aula com os alunos ditos normais, eles vão estar mais relaxados, mais bem comportados, mais concentrados e aptos para a aprendizagem”.
João Neto não tem dúvidas: “A importância destas atividades é clara e, por isso, é que cada vez há mais instituições a terem técnicos de desporto a trabalharem com esta população, porque o desporto é uma ferramenta importantíssima de integração na comunidade de pessoas com deficiência intelectual”.
Especificamente o «Special Ski» é uma iniciativa que não faz mais do que aproveitar as condições naturais e os equipamentos existentes na Serra da Estrela, tal qual as instituições do litoral aproveitam a praia durante o verão.
No caso concreto, com a colaboração do projeto «Ski4All», que integra o Plano Nacional de Desporto para Todos e foi considerado, pela Federação Internacional de Esqui, o 6º melhor projeto de iniciação no ano de 2016 no Mundo.
Com uma equipa de oito monitores, o «Ski4All» é o que se pode chamar «pacote completo». Para além das aulas ministradas, o projeto fornece ainda uma refeição, que é composta por sopa, piza, sumo e sobremesa. Outra festa no Ski Parque, aliás como também é sempre quando a população são crianças, segundo Ricardo Pires, responsável pelo projeto que conta com alguns patrocinadores que fornecem a refeição.
O «Ski4All» começou por movimentar mil crianças (2014), cresceu para 1.200 no ano seguinte, fechou 2016 com 1.500 e já tem garantidas 1.800 participações para o corrente ano. O custo é de um euro por criança, sendo que um euro reverte para um fundo do projeto com a finalidade de fazer uma iniciativa com crianças carenciadas.
ADM Estrela, CERCIGuarda, Associação Cristã Paz e Bem, ASTA (Associação Sócio-Terapêutica de Almeida), as APPACDM da Covilhã e do Fundão, o Centro Social Paroquial de Dornelas e o Agrupamento de Escolas de Manteigas foram as instituições que partilharam a iniciativa da Afacidase.
“Faz parte do nosso ADN o estabelecimento de parcerias com instituições congéneres, entidades e empresas de cariz regional, nacional e internacional, porque entendemos que o «sol quando nasce é para todos» e juntos somos mais fortes e conseguimos chegar mais longe, resultados maiores e melhores em todos os sectores da vida institucional”, sustenta Maria José Garcez, que acrescenta: “Estas e outras atividades promovem o convívio, a troca de experiência, a vivência de novos desafios em conjunto, marcam cada encontro e difundem o fortalecimento das relações. A troca de experiências para além de permitir ampliar conhecimentos, clarifica a visão sobre as causas em que acreditamos e, com frequência, dessa partilha resultam soluções que nos ajudam no dia-a-dia”.
Para a presidente da instituição de Manteigas, “o envolvimento das instituições, da comunidade, dos parceiros e das entidades são fundamentais para debelar o estigma da deficiência e promover uma sociedade verdadeiramente inclusiva”.
A iniciativa «Special Ski» serviu ainda para a apresentação do movimento Special Olympics e a forma como as instituições que apoiam populações com deficiência intelectual podem aderir e participar.
A apresentação coube a João Neto e contou com a presença de quatro medalhados nos Jogos Mundiais: Gonçalo Maria (Los Angeles 2015), Vítor Carvalho (Xangai 2007), Steve Sá (Antuérpia 2014) e Sónia Antunes (Los Angeles 2015).

 

Data de introdução: 2017-02-09



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...