BATISMO DE VOO

Vamos voar que as diferenças ficam em terra

“Costumamos dizer que vamos voar que as diferenças ficam em terra, porque lá em cima somos todos iguais”, diz Hélder Monteiro, da Associação Cívica Cavaleiros do Céu, que organiza o evento que, em meados de junho, teve a sua terceira edição, novamente no Aeródromo de Cernache, às portas de Coimbra.
Três avionetas e respetivos pilotos todos vindos de França, uma viagem que demorou oito horas, e um dia inesquecível para cerca de 150 crianças e jovens portadores de deficiências.
Leandro, uma criança portadora de uma incapacidade nos membros inferiores, foi com o irmão João Paulo e, já em terra, a primeira coisa que disse, ao SOLIDARIEDADE, foi um esclarecedor quanto satisfação com o voo: “Ficava lá em cima mil horas!”.
O exagero de Leandro é perfeitamente compreensível, não só pela satisfação, mas porque os cerca de 15 minutos destinados a cada voo lhe devem ter parecido 15 segundos (passe-se o exagero!).
“Lá em cima é maravilhoso”, começa por dizer o piloto Manuel Silva, mentor da iniciativa em França e que depois trouxe para Portugal, contando como reagem as crianças: “Quando entram no avião estão sempre todos um bocadinho com medo e ansiosos, mas assim que o avião está no ar, é o silêncio total e depois… é só sorrisos!”. Quando aterram, “a maior parte quer voltar de imediato”, sublinha, lembrando a razão para continuar há vários anos a fazer batismos de voo a crianças portadoras de deficiência: “O nosso prazer é fazer estas crianças esquecerem por momentos a deficiência que sentem em terra, porque quando estão lá em cima esquecem tudo”.
De facto, foi há quase 19 anos que Manuel Silva, um luso-descendente francês, criou os Chevaliers du Ciel, um grupo de pilotos amadores, que faz batismo aéreos em parceria com “um projeto em que as crianças deficientes e as não deficientes trabalham durante o ano inteiro para no dia H nós as levarmos a fazer o batismo de voo”.
Em França a iniciativa dura nove dias e decorre em nove cidades, escolhidas por candidatura.
Hélder Monteiro replicou a ideia em Portugal com a ajuda de Manuel Silva e em 2008 houve a primeira iniciativa nos céus portugueses.
“Na altura avançámos com a ideia e realizámos os primeiros batismos de voo. Em 2010 voltámos a organizar aqui em Cernache e, em 2014, fomos fazê-lo em Fátima, incentivando o pessoal de lá, pois também há uns pilotos que são daquela região e pelos conhecimentos entre pilotos foi lá que aconteceu”, recorda Hélder Monteiro, revelando que “vai haver outros eventos em Braga e em Santa Cruz”, tudo, diz, “em benefício das crianças”.
Para a organização a principal dificuldade não é arranjar aviões, pilotos ou um aeródromo, mas complicado é chegar às instituições.
“Em 2008 selecionámos as instituições através de uma pessoa relacionada com a Segurança Social e, a partir daí, fizemos a nossa base de dados. Desta vez, contactámos as instituições que estão nessa base de dados, mas daqui para o futuro queremos abranger mais instituições, porque nos chegam sempre pedidos após o batismo acontecer”, refere Hélder Monteiro, que solicita às IPSS que trabalham com crianças e jovens deficientes para contactarem a Associação Cívica Cavaleiros do Céu através do sitio na internet que, assim, no próximo ano poderão ser selecionadas e escolhidos alguns utentes para voarem.
“Necessitamos de dar a devida importância a estas crianças que muitas vezes são um bocadinho esquecidas”, sublinha o organizador, acrescentando: “Para isso, a sociedade civil junta-se e proporciona o evento para que as crianças tenham um dia diferente e feliz. A única coisa que queremos é que as crianças tenham um momento de felicidade e que convivam uns com os outros”.
Por outro lado, Hélder Monteiro enfatiza que “a grande virtude do batismo de voo é a satisfação das crianças que tem algumas deficiências”, lembrando que “os heróis são os pilotos” por lhes proporcionarem momentos de felicidade enorme.
Mas não foram apenas crianças e jovens portadores de deficiência os bafejados pela sorte de embarcarem numa das três avionetas de serviço no Aeródromo Municipal Bissaya Barreto.
De Ribeira de Fráguas, concelho de Albergaria-a-Velha, juntamente com alguns utentes adultos doentes mentais, foi um casal de idosos, as duas pessoas mais velhas a serem batizadas na iniciativa apoiada pelo Rotary Club de Pombal.
Ana Custódia, de 97 anos, e Manuel Santos, de 88, levantaram voo, pela primeira vez na vida, provando que a idade não deve, nem pode ser impeditiva seja do que for. Também a isto se chama envelhecimento ativo, também isto é dar qualidade de vida aos utentes das IPSS.
Três de cada vez, avião a avião foram batizadas crianças, jovens e um casal de seniores de 11 instituições, oriundas de três distritos (Coimbra, Leiria e Aveiro). A saber: APPDA – Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo; CERCIPOM – Cooperativa de Ensino e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Pombal; CERCINA – Cooperativa de Ensino e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados da Nazaré; ARCIL – Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã; APPC – Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (Leiria); APCC - Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra; APPACDM Coimbra – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Coimbra; APEPI – Centro de Acolhimento Temporário Infantil; APPACDM Soure – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Soure; OASIS – Organização de Apoio e Solidariedade para a Integração Social (Leiria); Cediara – Centro de Dia de Ribeira de Fráguas (Albergaria-a-Velha).

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2016-07-13



















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