HENRIQUE RODRIGUES

Habelas Hailas

1 - Acabo de regressar da Galiza, onde passei, nas Rias Baixas, como é velho hábito, a minha quinzena de praia.

O celebrado microclima, que faz com que habitualmente o tempo esteja mais de feição para a praia do que no Norte de Portugal, ali tão próximo, manifestou-se desta vez ao contrário: não me lembro de clima tão deprimente, com chuva, frio e nevoeiro, como este ano.

Parecia muitas vezes que, de entre a névoa, surgiria do lado do mar uma armada viking, idêntica àquelas que, há quinze séculos, penetravam pelas Rias adentro, deixando a semente celta que ainda hoje distingue esta Região do resto de Espanha.

Lá peregrinámos a Santiago, a rever o santo, e deambulámos pelos bares de tapas, a conferir as novidades do albariño da última colheita – modo de substituição, em dias de mau tempo, do ritual dos banhos de mar.

Antes de voltar a Portugal, não deixei de, como sempre faço, me municiar de vinhos e orujos, que compõem a bagagem de regresso, para como que prolongar, pelos sentidos, no meu País, com familiares e amigos, o dolce far niente do fim de Agosto.

Este ano descobri um orujo novo, de lançamento recente: uma aguardente tostada, que traz no rótulo uma figura de bruxa a voar na vassoura e que tem como marca a curiosa formulação “Habelas hailas” – que poderemos traduzir para o português de cá por “que as há, há”.

Remetendo a expressão “Habelas Hailas” para a figura da bruxa a voar, teremos a réplica, em galaico-português, da consagrada expressão: “eu cá não acredito em bruxas, mas que as há, há.”

2 – Muitas vezes tenho invocado, nestas crónicas no “Solidariedade”, a profunda identidade e semelhança entre o que é e o que se passa, fala e sente na Galiza e deste lado da fronteira.

A própria palavra “saudade”, que sempre ouvimos dizer que integra em exclusivo o nosso léxico - para nomear esse “gosto amargo de infelizes, delicioso pungir de acerbo espinho”, que marca a nossa condição contraditória, proveniente do cruzamento entre a pulsão solar do Sul e a suave melancolia das brumas do Norte – também se usa no galaico-português.

Mesmo passando da Galiza para a Espanha inteira, a leitura diária dos jornais faz perceber que as principais preocupações dos nossos vizinhos do lado não divergem das nossas – da sustentabilidade da Segurança Social aos refugiados, da austeridade ao desemprego, da corrupção aos cortes nas funções sociais.

Como nós em Outubro, também em Espanha haverá eleições legislativas até final de 2015.

Também como cá, um Governo conservador, em quem ninguém apostava há uns meses, surge nas sondagens em condições de discutir a vitória, à conta de indicadores económicos favoráveis que, lá como cá, vêm sendo anunciados – independentemente de serem verdadeiros.

Mas o tema que fundamentalmente ocupa a imprensa e os meios políticos consiste nas eleições autonómicas na Catalunha, marcadas para 27 de Setembro próximo – e que os partidos que integram o Governo da “Generalitat” pretendem que tenham um efeito de plebiscito em favor da independência dessa Região e da consequente separação do resto da Espanha.

Os partidos estatais, que se vêm revezando no poder, como cá, desde há décadas – o PP (Partido Popular, no poder em Madrid) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), na oposição -, bem como o “Ciudadanos”, novo partido em expansão, opõem-se à independência; e o mesmo sucede com o Governo de Espanha, que já avisou que não transigirá com tentações secessionistas.

Mas a coligação de suporte do Governo da “Generalitat”, “Convergência e Unió”, cujo líder é Artur Mas, Presidente do governo autonómico, promoveu uma ampla coligação com outras forças nacionalistas – “Juntos pelo Si” -, que considera uma vitória sua como a legitimação de um processo independentista.

Ora, no dia em que justamente eu chegava à Galiza para início de férias, o organismo equivalente ao nosso Ministério Público tinha acabado de levar a cabo uma devassa nas instalações do partido de Artur Mas, deixando escapar a informação de que se tratava da suspeita do pagamento de comissões de 3% sobre as empreitadas de obras públicas, decididas e adjudicadas pelo Governo da “Generalitat”, que reverteriam para os cofres do Partido do Governo.

Depois disso, as intenções de voto, que andavam taco-a-taco até então, teriam virado de sentido, em favor do “não”, com os parceiros de Artur Mas na coligação, nomeadamente a esquerda republicana, a passarem a achar desconfortável a companhia.

3 – A leitura do Jornal de Notícias, único jornal português à venda nas Rias Baixas, permitiu-me acompanhar um curioso debate que se foi fazendo por cá, a pretexto de umas declarações do Dr. Paulo Rangel, na Universidade de Verão do PSD, sobre as relações entre o poder judicial e os poderes dos demais órgãos de soberania, na esteira da separação de poderes definida por Montesquieu.

Pelo que li, o Dr. Paulo Rangel teria opinado que os magistrados são pessoas como as outras, que lêem jornais e vêem televisão, que vivem no mundo, que vão ao café e ao ginásio, que falam com a mulher e com o marido, que andam nos transportes – e que só por ficção é que se pode falar, nos dias de hoje, em que tudo é público, da venda sobre os olhos como representação metafórica da Justiça.

(Não sei se foi isto que ele disse – mas foi isto que ficou …)

O debate decaiu para o processo de José Sócrates, quanto a saber se haveria ou não decisão sobre a manutenção da prisão preventiva, ou acusação, por ocasião do debate que irá decidir o vencedor das eleições, como leio no jornal de hoje.

A hipótese era a de que se repetissem as coincidências político-judiciais que vêm marcando este processo, pela ocorrência simultânea de decisões processuais relevantes e de grande impacto público e de acontecimentos igualmente centrais da vida do PS.

Nessa tese, poderia ser interpretada como prejudicial ao percurso eleitoral do PS a decisão sobre a revisão das medidas de coacção aplicadas a José Sócrates ou a formulação de acusação por ocasião dos momentos mais quentes da campanha.

Mas a decisão de ontem, de o mandar para prisão domiciliária, de onde mais facilmente voltará por miúdo ao nosso convívio – até pode, quem sabe, voltar ao comentário político na RTP …! -, não fica imune a apreciações do mesmo tipo.

Além da campanha entre os partidos, vamos ter em paralelo a campanha contra o PS, a partir da residência de José Sócrates, como há minutos dizia o Professor Marcelo na televisão.

(Os líderes não costumam facilitar a vida aos seus herdeiros, não vá a gestão destes empanar o pretenso brilho da gestão pretérita dos autores da herança.

Que o digam Vítor Constâncio, Fernando Nogueira, Santana Lopes … e tantos outros …

É dos livros …)

Mas, cá como na Catalunha, estas simultaneidades são só coincidências.

Por mim, não acredito em bruxas.

Mas “habelas hailas”

 

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde     

 

Data de introdução: 2015-09-14



















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