CASA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, ÉVORA

Falta de crianças é preocupação

Sempre dedicada à infância, a Casa do Sagrado Coração de Jesus, em Évora, foi fundado em 1961, mas só se abriu às crianças em 1970, recebendo sete petizes. Foi um pedido expresso do arcebispo de então à Congregação das Servas da Sagrada Família para as missões alentejanas.
Instalada na Quinta do Pio, entre Canaviais e Bacelo, dois lugares à entrada da cidade de Évora, a casa pertence à congregação que cede as instalações à Obra de Promoção Social da Sagrada Família, “enquanto for necessário para desenvolver estas atividades”, afirma a madre superior Maria Luísa Pinto, que sobre as origens dos utentes revela: “As nossas crianças vêm de toda a zona de Évora. Isto parece que fica fora de mão, mas não fica, porque, por exemplo, os pais que vêm da Igrejinha ou da Azaruja passam por aqui. Essencialmente são filhos de pais que moram fora de Évora mas trabalham na cidade e vice-versa”.
Hoje, a instituição acolhe cerca de meia centena de petizes em creche e 73 em Pré-escolar, as duas únicas valências que tem, mas nem sempre foi assim.
“Para além das atuais valências, já tivemos um ATL, que foi encerrado porque a pouca distância, entretanto, abriram duas respostas dessas e como tinham prolongamento e nós não temos transporte, os pais optavam pelos outros e, então, desativámos essa resposta”, afirma, acrescentando: “Tivemos também um lar de crianças e jovens, que teve início em 1995, mas em 2010 começámos a verificar que as crianças que nos chegavam já não éramos nós que as admitíamos, pois tinham que vir pelas entidades superiores, e face às idades que nos propunham verificámos que não tínhamos condições físicas para as receber. Conseguimos enquadrá-las todas, umas nas famílias, outras adotadas e outras em instituições e desativámos a resposta. Chegámos a receber crianças com meses, mas para o final já eram jovens com 18 e 19 anos e não tínhamos condições”.
Para dar resposta às cerca de 130 crianças, a instituição conta com 20 funcionárias e cinco religiosas. Chegaram a ser nove irmãs, mas três, entretanto faleceram, e a falta de novas religiosas tem levantado também alguns problemas à Direção da Casa, especialmente devido ao carácter da instituição: “Face à pouca entrada de religiosas, a nossa grande preocupação é que o pessoal interiorize o nosso carisma, que passa por atender as crianças que não podem pagar. Essa é que é a nossa missão. De resto, queremos trabalhar as crianças por forma a desenvolvê-las nas dimensões cultural, física e religiosa e isso não é fácil. Por exemplo, temos grande dificuldade em encontrar uma diretora que encare a dimensão religiosa como as outras duas. Para nós a dimensão religiosa é tão importante como a cultural e a física”.
Mesmo assim, a grande preocupação da irmã Maria Luísa Pinto é o decréscimo acentuado do número de crianças.
“Hoje diria que a dificuldade financeira é de todos, mas a maior dificuldade é não termos crianças. Se não tivermos crianças, não podemos ter o pessoal. Este é o primeiro ano em que sentimos algum decréscimo de crianças, o que vai refletir-se no próximo ano letivo”, começa por afirmar, acrescentando: “Não podemos dizer que temos grandes dificuldades, porque a nível a financeiro, o que damos é o pouco… Deus vai-nos dar o muito e o muito foi este projeto. A nível do pessoal, onde há o ser humano estão as limitações, um dia mais em baixo, outro mais em cima, portanto, diria, que a maior preocupação é não termos crianças. Mesmo que paguem pouco ou não paguem vale a pena, porque estamos a fazer bem à população e estamos a seguir o carisma para que foi aberta a Congregação”.
E se é certo que a Casa do Sagrado Coração de Jesus não tem dívidas a não ser à Congregação, as questões financeiras estão permanentemente em cima da mesa, são poucos “os pais que pagam com gosto”.
“Temos um número reduzido de pais que pagam e que pagam com gosto. Temos um número grande que paga, apesar de ser um valor muito baixo, e, depois, temos um conjunto de pais que não paga. Já que temos que fazer o bem, decidimos que não sai nenhuma criança porque os pais não podem pagar. Temos, de facto, alguns pais com grandes dificuldades, em que os dois estão desempregados e claro que é impossível pagar seja o que for. Por isso, temos sempre um valor entre os sete e os 11 mil euros em que fazemos donativo às famílias no final do ano. A Direção decidiu que essas crianças ficariam mesmo sem pagar e no final do ano passamos uma declaração aos pais dizendo que é um donativo àquela família”, revela a madre superior, referindo que nem todos os pais aceitam esta solução: “Temos umas famílias que por timidez e outras que acham que não precisamos que ficam em dívida. E neste particular temos tido um grande número. Uns porque não querem pagar e outros porque não aceitam o donativo”.
E se a situação sofreu algum agravo com a crise que o País atravessa, a verdade é que, segundo a religiosa, sempre houve progenitores que consideram que não têm que pagar pelo serviço que lhes é prestado: “Talvez agora haja mais situações destas por causa da crise, mas sempre tivemos pais que não pagavam porque, pura e simplesmente, não queriam pagar. E há alguns anos algumas crianças deixavam de vir porque não pagavam. Se estão os dois a trabalhar, se não têm uma despesa que demonstrem que não podem pagar, então não podem estar na instituição. Isto foi falado com as entidades superiores… Era uma questão de carência não financeira, mas há muitos anos que ninguém sai porque não pode pagar. O que fazemos é, na altura das inscrições, acordarmos sempre um valor de prestação em função dos documentos de rendimentos apresentados e depois tentamos chegar a um acordo sobre o valor que os pais podem suportar, caso o valor inicial seja incomportável para eles. No ano passado e este ano tivemos muita quebra nas comparticipações familiares e tivemos, ao longo do ano, que baixar os valores das comparticipações duas e três vezes”.
A este propósito, a religiosa, educadora de infância de formação, revela que a tabela de preços elaborada no ano passado nunca foi aplicada e que no próximo ano letivo “os pais vão pagar menos, pelo que haverá um decréscimo nas receitas, com a agravante de as educadoras subirem de escalão, pois já temos algumas com mais de 20 anos de carreira”.
Apesar de tudo, “as contas estão equilibradas”, sustenta, referindo que a Casa “tem uma dívida com a Congregação, porque quando não há dinheiro, por exemplo, para um dos subsídios, a Congregação empresta, mas não tem dívidas a mais ninguém”.
Quanto a projetos futuros, a irmã Maria Luísa Pinto gostava de requalificar um espaço exterior, para obstar aos rigores climatéricos, que passaria por colocar uma cobertura num dos espaços onde as crianças do Pré-escolar brincam. “Pedimos alguns orçamentos, mas é muito dispendioso e também não sei se resultaria muito no verão”, confessa, admitindo que, “de resto, as coisas têm-se mantido todas muito arranjadinhas”, até porque houve uma intervenção há pouco tempo: “Tivemos recentemente uma candidatura ao PRODER, através da qual arranjámos a creche, o que foi muito bom. A instituição não se abastece a ela própria, porque não consegue chegar para pagar todos os subsídios, falta-nos sempre dinheiro para um. Então, tivemos esse projeto. A nível do Pré-escolar também precisamos de alguma requalificação, porque as salas são bastante quentes”.
A grande mágoa da religiosa responsável pela instituição é o não aproveitamento do terreno envolvente ao edifício, mas admite que a instituição não o pode fazer de per si, pois não tem capacidade, nem tão pouco é a sua vocação.
“Tenho pensado muito no Portugal 2020, porque temos uma quinta em redor da instituição que está praticamente vazia. Não está abandonada porque, pelo menos, as ervas vão sendo cortadas… À exceção da vinha e das oliveiras, tudo o resto está desaproveitado. Gostava que um jovem com alguma iniciativa, que teria que avançar com algum projeto financeiro, pudesse investir… A instituição por si não vai avançar para isso, porque não tem condições para tal, mas se houvesse alguém que quisesse aproveitar, seria muito bom. É que temos a quinta e temos a casa do caseiro, mas precisamos de quem queira desenvolver a produção agrícola, pois ainda temos alguns hectares disponíveis”, sustenta a religiosa, que revela uma solução que chegou a propor a terceiros: “Cheguei a falar com a empresa que nos faz a manutenção dos painéis solares para saber se não conhecia nenhum empresário que quisesse aqui instalar painéis solares que nós alugávamos o terreno… Mais do que isto não fazemos, porque não temos condições”.
De referir que a Congregação das Servas da Sagrada Família é portuguesa, tendo sido fundada pela irmã Purificação dos Anjos Silva, e tem por missão “a assistência aos mais pobres e uma dimensão ligada à oração”, isto é, segundo a irmã Maria Luísa Pinto: “Por um lado trabalhamos, mas temos que rezar”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2015-08-06



















editorial

NOVO CICLO E SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Pode não ser perfeito, mas nunca se encontrou nem certamente se encontrará melhor sistema do que aquele que dá a todas as cidadãs e a todos os cidadãos a oportunidade de se pronunciarem sobre o que querem para o seu próprio país e...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?
Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Criação de trabalho digno: um grande desafio à próxima legislatura
Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os...