HENRIQUE RODRIGUES

O Sétimo Dia

I - O início dos mandatos de Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia, para além da investidura vestibular na cimeira dos Açores - onde se decidiu, com falsificadas razões, a invasão do Iraque, e, por não melhores razões, a sua nomeação para Presidente da Comissão - ficou também marcado pelo debate sobre o Tratado Constitucional, que a nomenclatura de Bruxelas quis na ocasião impor aos povos da União Europeia, para mais rápida e afeiçoada “normalização”, sob uma mesma batuta, dos diversos modos de vida dos vários países que constituem essa mesma U.E.

Como os meus pacientes leitores se lembrarão, uma das matérias de divergência, no debate que em alguns países se suscitou sobre o projecto de Tratado Constitucional, consistia em saber se se justificava a referência às raízes cristãs da Europa no preâmbulo do texto dessa falhada Constituição.

A pertinência de tal menção foi defendida, quer por João Paulo II, quer por Bento XVI, ambos salientando o papel de S. Bento, do Século VI - declarado Padroeiro da Europa pelo primeiro desses Papas -, e do subsequente movimento conventual, na definição da identidade de uma Europa onde se cruzavam a tradição greco-romana do Império e a emergência dos povos bárbaros/germânicos do Norte, recém-convertidos ao cristianismo.

Entendiam os referidos Papas – bem, a meu ver, passe o atrevimento – que uma Constituição não é um mero aglomerado de normas, devendo tais normas traduzir o desenvolvimento de um conjunto de princípios e valores estruturantes do sistema jurídico de que a Constituição constitui o “corpus” normativo essencial.

Como são as Constituições dos países democráticos!

Ora, esse cimento dado pela Igreja medieval ao conjunto de povos e de países, desde as margens – ambas as margens! – do Mediterrâneo até ao território do turco e do Islão, marcou, com efeito, de forma muito intensa,  a identidade do território europeu.

Tão intensa que durou até quase aos nossos dias: eu próprio ainda fui educado nessa identidade, que moldava o nosso País e ordenava o nosso dia-a-dia até há duas ou três décadas atrás, ao ritmo do toque dos sinos.

Era adequado, diziam os Papas, que uma identidade que resistira quinze séculos devesse ser referida pelo nome num documento fundador de uma nova ordem europeia.

 

II – Tal debate perdeu oportunidade com a rejeição do texto do Tratado Constitucional pelos povos que, com cultura e tradição democrática mais antiga e viçosa do que a nossa – dizem os ingleses que a democracia é como a relva dos seus jardins, são precisos séculos de rega para ficarem com o verde que têm -, foram chamados pelos respectivos governos a votar a prevalência desse Tratado sobre as ordens constitucionais próprias e privativas dos respectivos Países.

E votaram contra – como eu votaria, se pudesse.

É certo que o Tratado Constitucional saiu da agenda – como agora se diz.

Mas as vinculações que os cidadãos europeus rejeitaram, em sucessivos referendos, vão regressando, insidiosas e à socapa, agora à sombra de uma agenda oculta.

Como escreveria Sophia de Mello Breyner Andresen, por “… maneiras … /Tão sábias tão subtis e tão peritas/ Que nem podem sequer ser bem descritas”.

Seja sob as vestes do Pacto Orçamental, do limite constitucional do défice ou do TTIP – Acordo de Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento, a que apontam o objectivo de transferir para as grandes seguradoras, em nome do dogma da concorrência, os bens públicos, como o sistema público de pensões -, a tentativa da subjugação dos povos europeus aos interesses do capital financeiro internacional não conhece tréguas.

Sobre este TTIP, um jornal tão insuspeito como o Público ainda há pouco alertava: “… tanto as negociações como os objectivos do TTIP têm sido alvo de grande controvérsia. Acusados de manterem o que se está a passar sob um manto de secretismo incompatível com as regras do jogo democrático e da transparência exigível numa sociedade aberta, os negociadores têm também sido objecto de suspeitas de favorecimento dos interesses das grandes multinacionais. Tais suspeitas avolumaram-se recentemente aquando da divulgação de uma carta subscrita por 14 países, entre os quais Portugal, defendendo a introdução de uma cláusula a favor da criação de mecanismos arbitrais que permitem às empresas estrangeiras ultrapassar os tribunais dos Estados, recorrendo a uma mediação externa”

(Sempre sobraria algum para os escritórios de advogados que convivem com o poder, donde normalmente são designados os árbitros do Estado …)

 

III – Vou partir, como é hábito, para férias na Galiza, essa extensão da nossa identidade celta.

Como já aqui escrevi, esperam-me domingos de comércio encerrado – mesmo nos centros comerciais -, sem transigências com a vontade dos consumidores ou as exigências dos mercados.

Para incomodidade minha e dos turistas em geral, privados do pão galego, do presunto ibérico ou do albariño - mas respeitando o carácter festivo do domingo e o direito ao descanso dos trabalhadores espanhóis.

Em Espanha, o domingo ainda é “festivo”.

Por outro lado, na receita grega da troyka, também neste assunto não faltou o diktat: liberalização do comércio, com obrigatoriedade de abertura ao domingo dos estabelecimentos e dos centros comerciais.

Assim regulando até esse grau de minúcia e de intrusão a vida quotidiana dos gregos.

Como referiu Joseph Ratzinger, pouco antes de ser eleito Papa: no seio do pensamento dominante da UE, "os direitos das diferentes culturas só serão viáveis na medida em que respeitarem os critérios da cultura iluminista – radical - e a ela se subordinem".

(Se se pode chamar “iluminismo” aos procedimentos burocráticos dos mangas de alpaca …)     

A União Europeia, a que também pertencemos e onde temos um voto, prefere obrigar as autoridades gregas a garantir aos consumidores pão fresco ao domingo a adoptar políticas comuns que evitem a morte de milhares de refugiados na travessia do “Mare Nostrum”, junto às costas da Grécia e da Itália.

Lampedusa é a metáfora desta Europa de regulamentos e de restrições, em detrimento das pessoas e dos povos.

Querem abrir as lojas ao domingo?

E porque não as fronteiras?

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2015-08-06



















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