«OS NOSSOS CAMPEÕES»

Quando a vontade de ser feliz é mais forte

Como se identifica um campeão? No desporto é simples, pois será aquele que chega em primeiro, que recebe a medalha ou a taça e é idolatrado pelo público. Porém, ser um campeão na vida é muito mais do que chegar primeiro do que todos os outros. É, acima de tudo, alcançar a felicidade, seja lá o que ela for para cada um.
Ter um objetivo e uma férrea determinação de nunca desistir até o alcançar faz de todo e qualquer ser humano um campeão. E este estatuto ganha uma outra dimensão quando o caminho a trilhar para chegar a essa meta não foi definido pelo próprio e está pejado de obstáculos.
Tivesse cada um dos mortais um pouco do que faz de Paulo, Vasco e Jorge o que são hoje e todos seriam, por certo, bem mais felizes. Obviamente não é a deficiência que cada um deles vive, mas essencialmente, a enorme força de vontade que encarnam e que os guindou a alcançar pequenas e grandes metas ao longo da vida, sendo que a principal é sentirem-se o mais «normais» possível, no seio de uma sociedade que agora já olha com melhores olhos a deficiência, mas que nem sempre foi assim.
Podia-se dizer que é tudo uma questão de determinação, mas assim dito soa a coisa simples. Agora, ter a determinação de nunca desistir até alcançar os sucessivos objetivos que se vão traçando, é algo bem diferente.
Mas deixem que vos apresente três dos 24 campeões cuja experiência e exemplo de vida a Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional, de Miranda do Corvo, perpetuou num livro que neste início de dezembro é editado.
Paulo Marques, 47 anos, sofre de paralisia cerebral e é o responsável pela área da contabilidade. Jorge Caetano, 52 anos, paraplégico desde os 18 anos, devido a um acidente de viação, é o responsável pela área do secretariado, assessorando ainda a Direção da instituição. Vasco Costa, 38 anos, tetraplégico desde os 19 anos, devido a um acidente quando fazia slide, é secretário clínico da Unidade de Cuidados Continuados da ADFP e superintende os secretários clínicos.
Com percursos de vida bem diferentes, tal como as deficiências que carregam, em comum têm a determinação de nunca terem desistido de conseguir o que se propuseram, ultrapassado(s) o(s) primeiro(s) choque(s) perante a sua condição, muito em especial o Jorge e o Vasco, pois até ao início da idade adulta eram pessoas ditas normais.
Paulo, que ainda faz a contabilidade a uns amigos em casa, recorda que “ser deficiente há 40 anos era completamente diferente e não havia apoios nenhuns”, reconhecendo que “as coisas mudaram a 180 graus” e “o que mudou mais foi o facto de sociedade aceitar melhor este tipo de pessoas e passou a haver alguma proteção”.
Entre muitas outras histórias, Paulo conta como foi uma dura batalha tirar a carta de condução. Era a sua grande vontade e não desistiu enquanto não conseguiu, apesar de todos os entraves que lhe colocaram.
Reprovado uma mão cheia de vezes pela Junta Médica, o contabilista não se deixou ficar, mesmo quando lhe disseram: “Já o reprovámos cinco vezes e reprovaremos todas as vezes que aqui vier”. Firme no seu propósito de se conduzir a ele próprio, então, decidiu queixar-se ao Provedor de Justiça.
“Bem, recebi um telefonema para me apresentar no dia seguinte, uma terça-feira, na Junta Médica que a situação ia resolver-se. Na altura as juntas eram apenas à segunda e quinta-feira, mas eles até abriram uma exceção. Só me disseram, vá para Miranda e faça uma coisa desista da queixa que fez contra nós, porque de há 15 dias poara cá não paramos com auditorias e verificações… E foi assim que tirei a carta”, recorda Paulo Marques, enquanto se ri, revelando que uma das coisas que hoje mais gosta de fazer é “ir para a Serra da Lousã passear de jipe”.
Já a Vasco o médico disse-lhe que não mexeria mais do que a cabeça. Contudo, uma personalidade fortíssima e, de certa forma, revolucionária fez com que ele não só recuperasse bastante, como hoje desloca-se numa cadeira de rodas, mexe, de forma limitada, os braços e chefia os secretários clínicos da Fundação ADFP.
Hoje faz duas sessões de fisioterapia por dia e sente-se “muito mais independente”, como testemunha no livro «Os Nossos Campeões»: “Consigo realizar quase todas as atividades necessárias à construção de uma vida razoável. Se nunca me for possível sair de uma cadeira de rodas, pelo menos, tentei tudo o que esteve ao meu alcance”.
Para já, no seu projeto de vida Vasco inclui a namorada, com quem mantém uma relação há 14 anos e com quem gostaria de casar. No entanto, há obstáculos que, estamos certos pelo pouco que conhecemos da sua personalidade contestatária, será também ultrapassado.
Projeto de vida familiar construiu já Jorge, que há 21 anos iniciou um relacionamento amoroso com aquela que hoje é a sua esposa e com quem alcançou o bem mais precioso da sua vida, Esperança, hoje com dois anos de idade.
A vontade de ser pai nunca o deixou e Jorge tudo fez para o conseguir.
“Foi uma luta de 17 anos, houve algumas portas que se fecharam, fui para o privado onde investi o que tinha e o que ainda não tinha, até que tive que desistir… Depois apareceu uma hipótese, através da TVI, e foi até conseguir”, recorda com um sorriso no rosto, dizendo: “A princesa é a flor da minha vida. E se antes de a ter pensava que se vivesse até aos 60 já era bom, agora já quero chegar até aos 80, pelo menos para a ver com 20 anitos”.
Três realidades diferentes, três propósitos diferentes, uma coisa em comum: Determinação e força de vontade em chegar mais perto da felicidade.
E muito deste objetivo passa pela forma como se encara a adversidade.
“O que me aconteceu foi azar ou sorte?”, questiona Jorge, que foi campeão nacional de pesca desportiva, acrescentando: “Pode ter sido uma sorte, pois podia ter morrido”.
E nesse sentido, deixa um conselho: “Nunca desistam, lutem sempre pelos objetivos e tentem ser feliz. Andar sempre com mágoas não nos leva a lado nenhum, até para que os que nos rodeiam se sintam também bem. Há muitas portas que se fecham, é muito difícil, mas nunca se deve desistir”.
Também Paulo Marques corrobora esta ideia, indo mais longe até: “É preciso muita persistência, muita mesmo, mas isto é para toda a gente, não é apenas para nós os deficientes. E agora cada vez mais, porque quem quiser ter algum êxito não pode desistir”.
Importante, no testemunho destes campeões é o papel da família e dos amigos.
“Rodeado de amigos uma pessoa vai a qualquer lado. As barreiras conseguem-se ultrapassar se tivermos amigos connosco. Se não forem os amigos e a família a ajudarem-nos é mais difícil sair daquela parte negra da vida e encarar a vida de frente”, sublinha Jorge, no que é acompanhado por Paulo, para quem a mãe foi o grande pilar da vida que conseguiu construir.
«Os Nossos Campeões» é uma ideia de Jaime Ramos, presidente da Fundação ADFP que considera que o livro é, “acima de tudo, uma manifestação de otimismo e de esperança no futuro”.
“Nele se demonstra que mesmo as pessoas que nascem com grandes limitações ou que sofrem um acidente que as coloca numa posição de vítimas conseguem dar a volta. Com alguns apoios e alguma compreensão da sociedade, é possível as pessoas construírem uma vida e serem felizes”, sustenta, comparando: “E por vezes aqueles que são pessoas normais e andam muito tristes com a vida e muito angustiados, sempre em grande sofrimento e sempre pessimistas podem perceber que mesmo as pessoas com grandes dificuldades podem ser felizes. Penso que esta é a grande lição que se pode obter deste livro”.
Por seu turno, José Miguel Ferreira, que coordenou a publicação, reforça esta ideia: “Ao longo do tempo em que coordenei o livro, uma das coisas que achei essencial, e que eles mais valorizavam, era o sentido de utilidade, isto é, eles tinham um problema, que lhes trazia muitos problemas de auto-confiança, apesar de serem gente muito corajosa, mas o facto de começarem a trabalhar, verem que independentemente do problema que tinham são tão bons e tão profissionais como qualquer outra pessoa, dá-lhes um sentimento de utilidade que lhes faz subir em flecha a auto-confiança”.
E é nesse sentido também que a instituição decidiu publicar este conjunto de testemunhos de pessoas escolhidas “por serem os melhores exemplos e por estarem em funções mais de topo”.
Assim, como refere o coordenador do livro, ele “surge como forma de motivação e uma grande homenagem a estes campeões que aqui estão, mas igualmente para passarmos esta imagem para fora da Fundação”, pois muito do bom que se faz pelo País fora muitas vezes não é conhecido da maioria da população: “Portugal tem milhares de pessoas com estes problemas, que muitas vezes são excluídas pela sociedade e não existem respostas próprias em muitos destes casos. Por isso, achamos que aqui damos um exemplo de que é possível estas pessoas encontrarem a felicidade”.
Para José Miguel Ferreira, “a Fundação pode servir de grande exemplo a nível nacional”, até porque: “Hoje somos das maiores fundações do País, mas como estamos sedeados em Miranda do Corvo, deparamo-nos com um problema que existe em todo o País e que é tudo o que não está em Lisboa não é visto. Entendemos que teríamos de alguma maneira que mostrar o que aqui temos de melhor que são, sem dúvida, as pessoas e estas pessoas podem servir de exemplo para todo o País. São pessoas que têm problemas inacreditáveis, desde aqueles que nasceram com deficiência até àqueles em que um acidente lhes alterou completamente a vida”.
O presidente da Fundação considera que este livro espelha também o que se faz na instituição que vai muito para além da recuperação, reabilitação e ocupação destas pessoas para quem a vida foi uma má mãe.
“Aqui na instituição não diagnosticamos doenças, descobrimos talentos nas pessoas e tentamos valorizar esses talentos. Depois, para além de lhes garantirmos um trabalho, fazemos com que tenham dignidade e se sintam úteis para os outros, para não sentirem que dependem só dos outros. É importante haver outras dimensões da vida que as pessoas com doença mental ou deficiência devem poder ter, nomeadamente, a de poderem ter boas relações afetivas, de poderem constituir famílias e no seu conjunto serem pessoas como as outras. Daí, para além da dignidade do trabalho, valorizamos e entusiasmamos o aspeto dos afetos e da liberdade de amar, com responsabilidade. Muitos já constituíram família e tiveram filhos, o que é muito positivo”, congratula-se Jaime Ramos.
Depois da sessão de lançamento em Miranda do Corvo, agendada para 6 de dezembro, «Os Nosso Campeões» será apresentado em Lisboa, no Porto, em Coimbra e ainda em Penela, Lousã e Fundão, sempre com alguns dos campeões presentes.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2014-12-05



















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