OUTUBRO DE 2014

A implosão

1 - A derrota de António José Seguro nas primárias do PS bem pode ter o efeito colateral de, mais uma vez, congelar a discussão e as propostas para a reforma do sistema político.

Essas propostas constituíram um dos principais tópicos lançados para o debate pelo antigo Secretário Geral do PS, durante a campanha e apresentam uma coerência global que deve ser realçada.

É certo que algumas delas, como a redução proposta do número de deputados à Assembleia da República ou a reforma do sistema eleitoral respectivo, mediante a criação de um círculo nacional, para assegurar o princípio da representação proporcional e a eleição de deputados de pequenos partidos, em combinação com a redução do número de deputados dos círculos distritais, não devem ser debatidas, com vista à sua alteração substancial, quando já se respira o ar eleitoral no País.

Mas poder riscar das listas o nome de candidatos a deputados que não mereçam o nosso voto ou permitir uma ordenação desses candidatos, diferente da proposta pelo estado-maior dos partidos, utilizando para isso o boletim de voto, seria uma higiene que não causaria alterações de tomo em relação ao modelo vigente – e permitiria aos eleitores, que somos nós, o gosto de riscar o que não nos interessa e de pôr por ordem as competências dos futuros pais da Pátria.

Sem sobressaltos para a doce tranquilidade dos donos do País.

Mas quero crer que os resultados das primárias permitirão manter tudo como estava, durante pelo menos mais quatro anos – embora com a abstenção a crescer e o desinteresse a alastrar.

É sintomática da vontade de afastar os fantasmas das reformas de António José Seguro a reacção de Ferro Rodrigues, novo líder parlamentar do PS, ao discurso do Presidente da República no 5 de Outubro – discurso que acompanha de perto o diagnóstico que António José Seguro vinha fazendo quanto ao grau de apodrecimento do sistema político e ao risco da sua implosão, como disse Cavaco Silva.

Já Ferro Rodrigues nos vem dizer qual é o pensamento oficial do PS sobre o tema: “O Presidente, tendo sido primeiro-ministro durante dez anos e sendo Presidente da República, devia também ter feito a sua própria autocrítica … Portugal – continua Ferro Rodrigues – não teve até agora nenhuma crise de governabilidade, houve sempre soluções para formar governo, a crise que existe é de confiança determinada pelo que aconteceu depois da crise internacional.”

A crise é de confiança – e a sua causa é a crise internacional?

Alguém acredita nisso, mesmo a Direcção do PS?

Qual crise internacional …! O Presidente da República bem alertou, no seu discurso, que “os portugueses são dos povos da União Europeia que demonstram maiores níveis de insatisfação com o regime em que vivem”; e que na origem da desconfiança, estão, na verdade, “os efeitos de uma das mais graves crises que (Portugal) teve de enfrentar nas últimas décadas” – mas também as promessas incumpridas, que levaram à falta de confiança nas instituições”, passando pela necessidade de reforma do sistema político.

Ora, a crise internacional foi, como o próprio nome indica, internacional.

Mas a grande desilusão é bem nossa.

E é fraco consolo vir agora, para afastar a lucidez do diagnóstico, arremessar com os anos de Cavaco Silva como governante.

Não é desculpa para fechar os olhos hoje …

 

2 – O facto de este ano o 5 de Outubro ter coincidido com o domingo fez com que parecesse um feriado à antiga - com a tribuna da Câmara de Lisboa ocupada com o friso das autoridades do Estado: Presidente da República, Vice-Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidente da Câmara de Lisboa (e certamente outros que a fotografia do jornal não inclui).

Até o Primeiro-Ministro, que despromoveu o 5 de Outubro à condição de uma data vulgar, foi honrar a proclamação da República, em 1910.

(Claro que António Costa já aproveitou para lembrar o restabelecimento dos feriados do 5 de Outubro e do 1º de Dezembro – medidas patrióticas, que saúdo, mas que lembram irresistivelmente as promessas de António José Seguro de revogar as principais medidas tomadas pelo actual Governo.)

A avaliação do estado da alma do País nos termos em que o fizeram António José Seguro e o Presidente da República – e, de certo modo, vem fazendo, um pouco à margem dos poderes actuais, Rui Rio – tem conexões perturbadoras com o clima que levou à instauração da República e à abolição da Monarquia Constitucional.

Mas também as tem com a “Revolução” reaccionária do 28 de Maio de 1926, que acabou com a República Democrática e instaurou a Ditadura Militar.

Quer num caso, quer noutro, foi o apodrecimento progressivo da Situação que levou à sedição e à mudança violenta da ordem constitucional.

Quer nos últimos anos da Monarquia, quer nos últimos anos da República, os dois principais partidos rodavam à vez pelas cadeiras do Governo, ordenavam e faziam as apropriadas chapeladas eleitorais, mantinham as clientelas disseminadas pela Província ou empregavam os bacharéis e os amanuenses nas secretarias dos Ministérios …

E, como escrevia o Eça, nos Maias – agora a passar nos cinemas, num filme fracote -, na voz do Gouvarinho, então membro das Cortes, os Governos passavam as suas canseiras pedindo empréstimos, para pagar a dívida ao estrangeiro, assim aumentando de cada vez o défice.

Também então se aplicava a doutrina Sócrates, em seu tempo aplicada com escrúpulo, sobre a dívida pública: não é para pagar, basta pagar os juros …

3 – Parece a situação que temos hoje.

O apodrecimento, o rotativismo, os negócios privados à sombra e à custa dos dinheiros públicos, as clientelas, as compatibilidades que deveriam ser incompatíveis – outra boa ideia de Seguro que vai à vida -, a falta de confiança no futuro e a falta de crédito nas promessas eleitorais, o Estado que é gordo e ineficaz quando é para proclamações de pura demagogia, mas que já serve quando é para financiar projectos inúteis ou fraudulentos: o clima está pronto para que alguém acenda o rastilho.

O que vem a seguir, se for pelo fogo, será certamente pior do que esta “apagada e vil tristeza”.

Mas já não resta muito tempo para a “viradeira”.

 

Henrique Rodrigues – Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2014-10-09



















editorial

NO CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL

(...) Saudar Abril é reconhecer que há caminho a percorrer e seguir em frente: Um primeiro contributo será o da valorização da política e de quanto o serviço público dignifica o exercício da política e o...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Liberdade e Democracia
Dentro de breves dias celebraremos os 50 anos do 25 de Abril. Muitas serão as opiniões sobre a importância desta efeméride. Uns considerarão que nenhum benefício...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Novo governo: boas e más notícias para a economia social
O Governo que acaba de tomar posse tem a sua investidura garantida pela promessa do PS de não apresentar nem viabilizar qualquer moção de rejeição do seu programa.