FUNDAÇÃO JOAQUIM ANTÓNIO FRANCO E PAIS, CASTRO VERDE

Pagamos caro a interioridade

A Fundação Joaquim António Franco e Pais, sedeada em Casével, concelho de Castro Verde, tem 53 anos, tendo em 1992 adquirido o estatuto de IPSS, começando, então, a sua acção social pelas respostas de Centro de Dia e de Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), utilizando ainda as instalações da habitação do fundador, Joaquim António Franco, falecido no ano da criação da mesma.
Na altura da constituição da Fundação, no ido ano de 1961, uma das premissas do fundador, para além do apoio aos necessitados, era a da criação do que, na altura, se designava por asilo.
“Foi em 2000, 2001 que começou a pensar-se noutro dos objectivos do senhor Joaquim Franco e que foi sendo sempre adiado, mas que hoje teria que ter uma resposta diferente”, começa por contar Carlos Moreira, director-executivo da Fundação, acrescentando: “Como ele escreveu em testamento, era a criação de um asilo nas instalações da sua casa para pessoas doentes da freguesia. Só que nestes tempos já não há asilos, por isso pensou-se num Lar”.
Quando a Administração da Fundação equacionou o projecto, “por questões de estratégia, o anterior presidente da Câmara apresentou uma proposta para se aproveitar a possibilidade de instalar também em Casével uma Unidade de Cuidados Continuados (UCC)”.
Corria o ano de 2008, o primeiro projecto do Lar tinha sido devolvido por “falta de verbas e, então, surgiu esta oportunidade”.
A Fundação avançou, as obras começaram em 2009 e terminaram em 2011, altura em que é inaugurado o primeiro edifício, que albergava no primeiro andar a UCC e no piso térreo o Lar.
“Este foi o primeiro grande erro em termos de sustentabilidade do projecto, porque o edifício apenas como UCC tinha todas as possibilidades de ser rentável, mas ao dividirem o espaço por duas respostas, pela dimensão, nenhuma delas podia ser sustentável”, explica Carlos Moreira, que na altura ainda não estava na instituição.
“Uma UCC de Média Duração com 21 camas é insustentável, porque a exigência de técnicos e demais pessoal é muito grande. Com essa capacidade e exigência de pessoal técnico e não só, sem grandes contas, dava quase 2,5 funcionários por cama… Isto é incomportável! Por outro lado, o Lar com 22 camas também é insustentável. Na altura com menos de 30 camas não era sustentável, aos preços que temos que praticar, e hoje esse número já é superior, ou seja, com menos de 34 camas não se torna um estabelecimento destes sustentável”, refere.
Na opinião do director-executivo, “as exigências aumentam, mas os valores a cobrar são os mesmos ou menores, portanto, a situação torna-se muito difícil”.
Em pouco tempo, a situação do novo equipamento tornou-se insustentável e foi necessário tomar medidas profundas, optando a Administração pela profissionalização da equipa dirigente. Em Março de 2012, Carlos Moreira entra para os quadros da Fundação como director-executivo, no sentido de tornar a gestão mais adequada aos tempos actuais. O voluntarismo da Administração, composta pelo presidente da Câmara, presidente da, então, Junta de Freguesia e ainda três parentes afastados do fundador, já não era suficiente, até porque o património da Fundação também já não rendia como antigamente.
“Em Março de 2012, ainda não tinha feito um ano que a UCC estava aberta, o Lar abrira em Julho de 2011, a situação já era muito complicada. O Lar não tinha Acordo de Cooperação com a Segurança Social, tinha apenas 14 camas ocupadas e toda uma estrutura para 22. Por seu lado, a UCC estava com ocupação total, mas os prejuízos eram muito grandes, a que acresciam os prejuízos normais do primeiro ano de actividade. Foi, então, que a Administração entendeu que a forma de gestão, até àquela altura suficiente, tinha que ser profissionalizada”, relata Carlos Moreira, recordando que, com o novo equipamento, “de 15 funcionários a instituição passou para 60”.
Os tempos eram complicados e o défice crescente, pelo que era necessário fazer algo.
“A nossa preocupação foi tentar racionalizar alguns custos e acabar com desperdícios. Havia práticas que não tinham em conta a situação financeira, até porque a instituição nunca tinha tido dificuldades nesse capítulo, pois, normalmente, tinha 500 mil euros em depósitos à ordem”, conta, explicando o que foi, então, feito: “Na tentativa de reversão da situação, um dos primeiros objectivos traçados foi o redimensionamento das respostas. Para isso, arrancou-se rapidamente com a construção de um novo Lar, com 49 camas, para dar sustentabilidade à resposta, mas também para racionalizar a UCC”.
A nova infra-estrutura está quase pronta, contando os responsáveis pela instituição que as obras terminem até Outubro e que entre em funcionamento no mês seguinte.
Se a situação actual já não é tão grave como quando Carlos Moreira entrou para a gestão diária da Fundação, especialmente devido à falta de economia de escala do Lar e da UCC, outras questões dificultam a vida da instituição.
“As nossas dificuldades são, na gestão diária, provocadas pela falta de dimensão das respostas, mas em 2013, em termos de exploração, pela primeira vez tivemos uma situação equilibrada… mas isto não quer dizer que se repita este ano. Mas temos um outro problema que advém do facto do primeiro investimento no novo edifício, que era para custar 2,6 milhões de euros, mas que custou quatro milhões. O único apoio foi de 630 mil euros do PARES e o resto foi investimento da Fundação, pelo que foi necessário recorrer à Banca, sendo que agora o serviço da dívida é muito complicado. Claro que aumentámos o património, pelo que teremos que vender outro património para reduzir o serviço da dívida”.
Mas este é outro obstáculo que a nova legislação lhes impõe, pois é necessário, devido ao estatuto de Fundação, requerer autorização governamental para alienar património.
E se a Fundação tem actualmente um encargo muito grande com a Banca, que dificulta a gestão, o novo edifício, que ficará apenas como Lar, ficando o actual inteiramente para a UCC e serviços de apoio, já foi negociado de outra forma, com um apoio público e comunitário de 85%... “O orçamento inicial era de 2,3 milhões de euros, mas deve ficar por 1,7 milhões, porque agora já não somos rico. O País deixou de ser rico e, então, já se podem tirar os mármores e afins”, refere, ironicamente, Carlos Moreira, que deixa uma crítica a quem, do alto dos seus gabinetes, legisla e regulamenta a actividade das instituições: “Muitas vezes quando se faz a Lei ou os Regulamentos, as pessoas fazem-no com base na realidade que conhecem… Por exemplo, há situações em que não é exigível que os técnicos estejam a 100%, só que em Casével não arranjamos ninguém para trabalhar a 50%, porque qualquer pessoa que venha para aqui tem que fazer muitos quilómetros. A nossa psicóloga clínica faz 140 quilómetros por dia, obviamente, não vem para trabalhar a meio-tempo! Isto são situações que o legislador não conhece. E há outras, como a da exigência de um fisiatra, mas no Baixo Alentejo, pura e simplesmente, não existe um fisiatra! Não podemos ir buscar um fisiatra a Lisboa para vir a Casével uma vez por semana, pois o custo seria insuportável. Nós pagamos caro pela interioridade, essa é a verdade”.
A isto tudo, e ainda em tom de crítica, Carlos Moreira junta o problema do estatuto da instituição.
“Por último, temos o grave estigma de sermos uma fundação. Pertencemos àquela casta de aldrabões e vigaristas que este Governo resolveu hostilizar. Temos uma série de dificuldades que, por exemplo, associações não sentem, sem a história de 53 anos que nós temos. Por exemplo, o que era um acto de gestão perfeitamente racional que era a alienação do património para pagar o novo que estamos a construir e que vai de encontro o objectivo do fundador, temos que pedir autorização ao gabinete do primeiro-ministro. E somos prejudicados em relação a outras instituições e empresas, por exemplo, no IVA. Somos uma IPSS, temos a chamada isenção IVA, mas que não o é… É apenas uma isenção de deduzir o IVA! Se um bar comprar uma aparelhagem sonora deduz o IVA, nós temos que pagar o IVA de custo. Não percebo porquê e isto é um prejuízo enorme”, afirma.
Sem deixar de dar mais algumas alfinetadas à tutela, Carlos Moreira explica que a situação está a melhorar, mas que não tem sido fácil dar a volta.
“No final do ano passado conseguimos, finalmente, os Acordos de Cooperação para o Lar, mas só para 16 camas. Porém, esperamos que esse número vá aumentando com a abertura do novo equipamento. O que queríamos é que as exigências que nos fazem, essencialmente na Unidade Cuidados Continuados, viessem acompanhadas das verbas necessárias para as realizar. Exigir com o dinheiro dos outros é muito bonito e fácil! Há cada vez mais exigências e não há contrapartidas”, critica, exemplificando: “Há cerca de quatro meses a Administração Regional de Saúde convocou pessoas da Fundação para uma formação em Évora e, pela primeira vez, tive que recusar. Se convocam as pessoas, paguem! Fiz isto para que lá percebessem que as coisas não são assim. Não há dinheiro, não façam exigências. Se nós fazemos esforços, eles têm que se esforçar por dar a contrapartidas. Isto é uma bela ideia e para o Estado é um belíssimo negócio, porque uma cama num hospital custa 14 mil euros e aqui na UCC custa dois mil e poucos euros! O reverso disto é a resposta ser de menor qualidade e isso é grave”.
As dificuldades da Fundação Joaquim António Franco e Pais são sentidas igualmente por muitas outras instituições por todo o País e apesar de a situação começar a ser invertida, ainda não dá descanso aos seus dirigentes e obstaculiza a realização de novos projectos.
“Havia muito para fazer, mas uma coisa é a necessidade e outra é a existência de condições para o fazer”, remata Carlos Moreira, que ainda assim revela com algum orgulho o estatuto, entretanto, alcançado pela Unidade de Cuidados Continuados de Média Duração, que recebe utentes de todo o Alentejo e até do Algarve serrano: “Quando chegámos em 2012, a UCC estava no último ou penúltimo lugar do ranking e, neste momento, está em segundo. Somos reconhecidos, em termos de Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) pelo Serviço de Reabilitação. E somos das Unidades que tem listas de espera”.
Actualmente, a Fundação acolhe em Lar 22 utentes, apenas com 16 contratualizados com a Segurança Social, 21 na UCC, apenas cinco em Centro de Dia e serve ainda 36 idosos em SAD, que, desde início, ficou limitado à, então, freguesia de Casével.
“Na vila residem cerca de 250 pessoas, a que se juntam mais umas poucas que vivem nos montes, sendo que 80% delas tem mais de 60 anos, muito dependentes para tudo”, nota Carlos Moreira, que adianta ainda ter a Fundação 82 colaboradores (66 por conta de outrém): “É o único empregador da freguesia, que não tem desemprego feminino, sendo que os técnicos são todos de fora de Casével”.

A FUNDAÇÃO

“Dez dias antes de morrer, em 1961, Joaquim António Franco, que era filho único e não tinha herdeiros, resolveu doar todos os seus bens a uma fundação a criar com o nome dele e dos pais, de quem tinha herdado uma boa parte desse património, que serviu de base à constituição da instituição. A Fundação tinha uma característica assistencial, como era próprio na altura”, começa por contar Carlos Moreira, continuando: “O próprio senhor Joaquim António Franco criou os objectivos para a fundação, que passavam por, em primeiro lugar, apoiar as pessoas carenciadas da, então, freguesia de Casével, principalmente as pessoas que tinham trabalhado na sua casa agrícola e, depois, apoiar os doentes através de subsídios a entregar à Misericórdias dos quatro concelhos onde ele tinha propriedades rurais (Castro Verde, Aljustrel, Odemira e Ourique)”.
Esta era a acção da Fundação na altura, sendo que os bens agrícolas e as propriedades urbanas davam algumas receitas que eram distribuídas em donativos às Misericórdias e às pessoas necessitadas.
E se até 1974 a vida da Fundação foi normal, “com o 25 de Abril, os problemas com a posse das terras no Alentejo foram o que se sabe, com as terras a serem ocupados”, e a instituição viu-se privada de muito do seu património.
A partir dos anos 1980, com a entrega das terras de novo à Fundação, esta retoma a actividade, “mas num País completamente virado do avesso, pois já não era o mesmo País dos tempos em que foi criada”.
Foi então necessário adaptar-se aos novos tempos e às novas exigências, criar uma estrutura diferente integrada nas estruturas de solidariedade existentes.
“A preocupação foi registar a Fundação como IPSS, o que aconteceu em 1992, e a partir daí encontrar respostas integradas no sistema existente junto da Segurança Social”, sustenta Carlos Moreira.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2014-10-08



















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